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Pesquisadores debatem o trabalho escravo contemporâneo

Entre os dias 20 e 22 de outubro, foi realizada a IV Reunião Científica Trabalho Escravo e Questões Correlatas, duante o V Fórum de Direitos Humanos, organizado pelo Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (Gptec) do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos Suely Souza de Almeida (Nepp-DH) da UFRJ. A reunião contou com a participação de pesquisadores de universidades públicas e privadas do Brasil e do exterior, que expuseram e debateram seus trabalhos.

Na quarta-feira (20/10) à tarde, o grupo de pesquisadores tratou principalmente da definição do trabalho escravo contemporâneo, afirmando que não há diferença entre o trabalho escravo e as condições análogas à de escravo, previstas no artigo 149 do Código Penal. Segundo Julia de Paula, mestranda do Programa de Pós-Graduação da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ, “o trabalho escravo está submetido a um poder extra-econômico, através da coerção física e moral”. Sobre a servidão por dívida, não especificada no artigo 149, ela diz que “a dívida é algo moral muito forte para o trabalhador, pois envolve questões culturais e dominação ideológica”.

O isolamento geográfico, segundo os pesquisadores, é apenas mais um fator que determina o trabalho escravo, e não deve ser encarado como a razão principal da sua existência. Essa questão pôde ser percebida na exposição da professora Andressa Lacerda, da rede estadual de Educação do Rio de janeiro, que mostrou que o trabalho escravo está concentrado, inclusive, em áreas onde há intensidade de redes rodoviárias e ferroviárias, como o Bico do Papagaio, no Tocantins, e o Centro-Oeste.

Segundo Leonardo Sakamoto, doutor em Ciências Políticas pela USP, no sistema capitalista, a reprodução do capital se dá de forma anômala, e nesse processo há sempre a exploração da mais–valia, conceito crucial para a compreensão do trabalho escravo. “Disfarçado ou não, o trabalho escravo é um instrumento do capitalismo, e não uma aberração ou desvio desse sistema”, diz.

Sakamoto acredita que se atribui um valor alto à renda, em detrimento de outros elementos. As políticas de erradicação do trabalho escravo, por exemplo, são direcionadas aos miseráveis. “No entanto, muitas vezes o indivíduo está em busca dos símbolos do capitalismo e vai atrás de garantia de qualidade de vida nesses lugares, e não de geração de renda. Aqui estão em questão outros tipo de pobreza, de ausências, de oportunidades”, afirma.

Indústrias siderúrgicas de Carajás

Já na tarde de sexta-feira (22/10), dois pesquisadores apresentaram seus trabalhos. O professor Vitale Joanoni Neto, da UFMT, abordou o tema “Uma proposta piloto de reinserção social dos resgatados da escravidão contemporânea”, que proporcionou a possibilidade de troca de setor e a oportunidade de trabalho nos moldes de carteira assinada para trabalhadores resgatados da escravidão no Mato Grosso. Segundo ele, a repercussão do projeto foi boa inicialmente, e a idéia era que o projeto suscitasse na criação de uma política pública. Após um ano da criação, no entanto, ele acredita que os indicadores resultantes não são suficientes para despertar o interesse das instâncias públicas em bancar o projeto.

Karla Susy Pitombeira, mestranda em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFMA, apresentou a pesquisa “As siderúrgicas de Carajás e o enfrentamento ao trabalho escravo”. Segundo Karla, as denúncias de trabalho escravo em cadeia produtiva na carvoaria, na década de 90, resultaram na criação de um Termo de Ajuste e Conduta (TAC) a ser assinado por representantes das siderúrgicas, garantindo assim o cumprimento das regulamentações trabalhistas. A pesquisadora explicou que o TAC foi o pontapé inicial para a criação do Instituto Carvão Cidadão (ICC), que além de promover auditorias, lançou um programa de capacitação e reinserção dos trabalhadores resgatados na região de Carajás, no Pará.