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Religião e Cultura na América Latina: mesa de encerramento debate o aborto

Na última quarta-feira (18/08), o Seminário Internacional “Religião e Cultura na América Latina” realizou sua última mesa de discussão, com o tema “A ‘vida’ em debate na América Latina”. Organizado pelo Núcleo de Religião, Gênero, Ação Social e Política da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ, o seminário aconteceu no Auditório Professor Manoel Maurício de Albuquerque, do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH).

A mesa IV contou com os professores Naara Luna, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Juan Marc Vaggione, da Universidade de Córdoba, Argentina, Ruliam Emmerick, doutorando da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ, Magaly Perez, também doutoranda da ESS-UFRJ e Maria Teresa Citeli, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Juan Marc Vaggione analisou as políticas do aborto na América Latina e seus impactos a nível nacional e regional. O docente observou que “o campo religioso ganhou uma importante dimensão política e que a defesa pública da penalização do aborto por movimentos religiosos vem se valendo de uma estratégia que consiste em uma argumentação cada vez mais secular e dotada de argumentos científicos”. Naara Luna complementou que “apesar da argumentação baseada em dados científicos e aparentemente laica, trata-se de um secularismo estratégico, porque a motivação é fundamentalmente religiosa”.

Vaggione comentou ainda que a discussão sobre o tema é polarizada entre os movimentos religiosos conservadores – que defendem a garantia do “direito à vida” desde a concepção – e movimentos feministas, que têm como argumento o lema de que a mulher deve ter o direito de decidir sobre o  próprio corpo.

A descriminalização do aborto no poder legislativo brasileiro

Ruliam Emmerick analisou as disputas sobre a descriminalização do aborto no Poder Legislativo brasileiro.  “Trata-se de disputas sobre o sentido e conteúdo do direito humano à vida. A categoria ‘direitos humanos’ se tornou objeto de disputas sociais e políticas”, analisou o doutorando da ESS-UFRJ, antes de observar que o artigo 5º da Constituição Federal “garante a inviolabilidade do direito à vida”, porém não especifica quando exatamente a vida se inicia.

Emmerick disse ainda que as proposições legislativas relacionadas ao aborto, bem como os debates sobre a descriminalização da prática, vêm crescendo com o tempo e que a tendência é a ampliação das permissões legais existentes. No entanto, alertou que “desde 2001, houve aumento considerável do número de iniciativas legislativas no sentido de recrudescer a penalização do aborto ou suprimir as permissões legais”. De acordo com o pesquisador, “isso indica que os movimentos religiosos conservadores estão mais mobilizados e mais atuantes em defesa do ‘direito à vida’”. Emmerick, por fim, questionou se “o direito à vida na concepção se sobrepõe a qualquer outro direito”.

Naara Luna mapeou o debate no Legislativo brasileiro relacionado a pesquisa com células-tronco embrionárias. A docente comentou a Lei da Biossegurança, aprovada pelo Senado em 2005, que regulamenta a produção e comercialização de organismos geneticamente modificados e a pesquisa com células-tronco.

O Estatuto do Nascituro

O Estatuto do Nascituro é um Projeto de Lei proposto pela bancada religiosa no Brasil. Nascituro é o ser concebido, mas ainda não nascido. Trata-se de uma campanha para incluir o “direito à vida” desde a concepção nas constituições, proibindo o aborto em qualquer hipótese. A proposta inclui os seres humanos concebidos "in vitro", mesmo antes da transferência para o útero da mulher. Segundo Magaly Perez, “o projeto defende a vida como bem maior desde o nascimento até a morte. Parte do pressuposto de que qualquer formação celular é ser humano, logo é portador de direitos. Lamentavelmente trata-se de uma regressão da ideia de ser humano”.

A docente analisou a relação conflituosa de grupos feministas e grupos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (LGBT) com outros setores da sociedade, em especial o religioso. “Esses novos atores políticos, que reivindicam direitos relacionados aos seus corpos, inovam os direitos humanos, em especial os direitos sexuais e reprodutivos, cujas formulações podem ser consideradas ainda muito recentes”, observou.

Perez concluiu analisando a disputa conceitual que envolve o termo “vida”. “A sexualidade se tornou uma questão política, e, por conseguinte, a própria vida, se considerarmos o sexo como meio reprodutor”, observou.

Maria Teresa Citeli questionou se é possível tratar do assunto sem envolver a palavra “vida” e complementou que “a ideia de que estamos lidando com um direito à vida foi uma moldura criada pela Igreja Católica”.