Marcelo Corrêa e Castro, decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFHC) da UFRJ, comenta resultado do IDEB que apontou o Ensino Médio do estado como o segundo pior do país.

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Memória

Estudo reprova ensino no Rio

Marcelo Corrêa e Castro, decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFHC) da UFRJ, comenta resultado do IDEB que apontou o Ensino Médio do estado como o segundo pior do país.

O estado do Rio de Janeiro possui o segundo pior Ensino Médio do Brasil, ganhando apenas do Piauí. É o que constatou o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), divulgado, em julho, pelo Ministério da Educação (MEC). O ensino fluminense não alcançou o número de pontos considerado ideal pela avaliação.

O Rio de Janeiro também amargou resultados ruins no ensino fundamental. Na avaliação entre 1ª e 4ª séries, o estado aparece no 18º lugar; no ranking das turmas entre 5ª e 8ª séries, ocupa a 21ª posição. O Ideb evidenciou ainda certa estagnação do Ensino Médio brasileiro, que, nos últimos dois anos, avançou apenas 0,1 ponto.

Criado em 2007, o Ideb visa avaliar a educação, através da análise do fluxo escolar e das médias de desempenho dos alunos nas avaliações escolares. Mas nem todos os especialistas acreditam que o mecanismo seja capaz de avaliar, de fato, o ensino. Para Marcelo Corrêa e Castro, educador e decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFHC) da UFRJ, o Ideb funciona para atender à “lógica economicista, empresarial e mercadológica que fundamenta as atuais políticas de educação”.

Em entrevista ao Olhar Virtual, o professor comenta também os resultados do estado do Rio de Janeiro no exame, fala sobre as principais dificuldades existentes hoje na educação brasileira e pontua a importância da universidade para reverter esse quadro.

Olhar Virtual: O Ideb é um mecanismo efetivamente capaz de avaliar o ensino brasileiro? Por quê?

Marcelo Corrêa e Castro: O Ideb é apenas um índice, ainda em desenvolvimento. De forma alguma, pode ser tratado como algo além disso. Como instrumento de avaliação, se ajusta mais à lógica economicista, empresarial e mercadológica que fundamenta as atuais políticas de educação, ainda que revestidas de um discurso de universalização do acesso à educação e de mobilidade social.

Olhar Virtual: O Ideb constatou que o Ensino Médio no país avançou apenas 0,1 ponto no último ano. O Rio de Janeiro obteve a segunda pior marca, ficando na frente apenas do Piauí. O que explicaria o resultado do Estado?

Marcelo Corrêa e Castro: As indicações do Ideb estão longe de constituir mais do que um elemento, dentre tantos possíveis, para a análise da situação do ensino público. O problema desse ensino, que se constrói historicamente ao longo dos últimos 50 anos, tem a ver, principalmente, com dois aspectos: o desmonte das condições de trabalho nos espaços públicos e a sua sectarização. Com isso, as escolas públicas deixam de ser o espaço da democratização, pela via da educação do conjunto da sociedade, para se tornar guetos de desassistidos. As escolas públicas que não sucumbiram a esses dois aspectos das políticas de governo – as federais, principalmente – continuam a desenvolver um trabalho de excelente qualidade, quer na formação geral, quer na preparação para as etapas posteriores do processo de escolarização. Por estranho que pareça, parte expressiva dos problemas das escolas públicas tem relação direta com fato de que deixaram de ser públicas no sentido mais amplo do conceito.

Olhar Virtual: A aprovação automática pode ser encarada como responsável por esse baixo desempenho?

Marcelo Corrêa e Castro: Creio que a aprovação automática serve facilmente de bode expiatório no caso do processo de execração a que tem sido submetida a escola pública. Não conheço estudos que comparem consistentemente os resultados do sistema de avaliação que inclua a promoção automática com outros resultados. Por isso, não arriscaria um juízo específico sobre ela. Estou convencido, porém, de que usar índices de aprovação/retenção/evasão como orientadores de políticas é mais fácil do que avaliar propriamente a educação desenvolvida pelas escolas. Os números, sabemos todos, permitem muitas leituras, mas se prestam mais facilmente à construção de verdades que convenham aos dirigentes. Diminuir ou aumentar índices não constitui sinal inequívoco de avanço ou de retrocesso.

Olhar Virtual: Qual a sua avaliação sobre o currículo nas escolas públicas de ensino médio?

Marcelo Corrêa e Castro: O campo de currículo está entre os mais estudados pela academia nas décadas recentes. Ampliou-se muito a discussão acerca de currículo, bem como os conceitos que ela envolve. Nos anos 90, houve um investimento forte do governo federal nessa área, culminando com a edição de diretrizes curriculares e parâmetros nacionais. Esse investimento, contudo, além de integrar um conjunto de medidas mais ligadas ao controle do que ao desenvolvimento da educação pública, não veio acompanhado de ações voltadas para melhorar as condições de trabalho dos educadores. Dessa forma, os currículos continuam inadequados e os sujeitos das escolas, por mais que reconheçam isso e queiram mudar a situação, não dispõem de condições para fazê-lo.

Olhar Virtual: O resultado do Ideb serve como gancho para discutirmos a questão das licenciaturas e o problema da falta de professores em determinadas disciplinas no ensino médio, como Matemática. Nesse sentido, a universidade tem um papel importante para melhorar o rendimento no Ensino Médio. Qual deve ser a atuação da universidade?

Marcelo Corrêa e Castro: A questão da formação com qualidade não depende de ganchos: é uma prioridade! E deveria ser o principal alvo das ações das universidades públicas em prol do ensino público: formar bons professores, capazes de agir como reconstrutores de uma formação cidadã nos espaços em que atuam.

Olhar Virtual: Como atrair os jovens para as licenciaturas? Qual o modelo ideal de política pública para formação de professores nos níveis fundamental e médio?

Marcelo Corrêa e Castro: A melhor forma de atrair jovens para as licenciaturas é desenvolver políticas agressivas de valorização do curso. Já é hora de tratarmos as licenciaturas como cursos de primeira linha, que formam profissionais estrategicamente fundamentais para a democratização e o desenvolvimento do Brasil.