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Segunda mesa do seminário debate crime organizado e impacto da violência na América Latina

O primeiro dia do seminário internacional “Violência e democracia na América Latina” prosseguiu, na tarde desta quarta (30/06), com dois painéis: “Crime organizado na América Latina” e “Impactos da violência na vida cotidiana e nas instituições”.

Michel Misse, diretor do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (Necvu), órgão ligado ao Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) da UFRJ, foi o responsável pelo primeiro painel. O professor apresentou três organizações vinculadas a práticas criminosas: jogo do bicho, comandos e grupos de extermínio.

O jogo do bicho, de acordo com Misse, foi criado para financiar a reforma do Zoológico do Rio de Janeiro e “era legal até cair no gosto popular e passar a ser oferecido em outros lugares, sem nenhuma ligação com o Zoológico”. Segundo o professor, “o jogo do bicho foi o que mais se aproximou de uma organização mafiosa no Brasil”, e bancou, por muito tempo, escolas de samba e clubes de futebol.

Já os grupos de extermínio surgiram durante a ditadura, após  mudança de padrão da criminalidade. “O crime, que antes exigia certa malandragem e astúcia, passou a recorrer ao uso do revólver”, afirmou Misse. Com a mudança, aumentou a sensação de impunidade, já que “a polícia tinha certa incapacidade de resolver os crimes no novo padrão”, de acordo com o professor. Como contrapartida da polícia, foram formados os chamados “esquadrões da morte”, que executavam criminosos.

Misse continuou a palestra explicando que a formação dos comandos aconteceu nas penitenciárias. “Presos políticos e comuns que assaltassem instituições financeiras eram julgados pela mesma lei e encarcerados na mesma cela”, relatou o professor. “Essa situação provocava intensa violência no interior das prisões. Para reivindicar a separação, os presos políticos passaram a se organizar”, completou. Posteriormente, a anistia absolveu apenas os presos políticos e os presos comuns criaram sua própria organização. “Vendo que os presos políticos conseguiram seu objetivo, criaram o Comando Vermelho”, revelou o professor.

Segundo painel: “Impactos da violência”

Para a segunda parte do seminário, foram convidados Alejandro Isla, professor da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso) da Argentina, Ana Maria Jaramillo, socióloga e consultora de políticas públicas de segurança na Colômbia, e Maria Cecília Minayo, coordenadora do Centro Latino-americano de Estudos de Violência e Saúde (Claves-Fiocruz).

Os palestrantes apresentaram o impacto que a violência tem no cotidiano de indivíduos no Brasil, Colômbia e Argentina. Maria Cecília Minayo ressaltou o custo emocional e social da violência. “Ela provoca medo e insegurança, afeta relacionamentos e a confiança das pessoas”, afirmou a palestrante. “Modifica o estilo de vida e cria novos hábitos, como maior vigilância familiar”, continuou.

Ana Maria Jaramillo alertou sobre a migração forçada na Colômbia. O fenômeno está associado ao narcotráfico e às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). “Geralmente a migração é motivada por assassinatos de familiares, ameaças diretas e combates”, revelou Jaramillo. A maior parte dos migrantes vêm do campo e sozinhos. “A migração é individual, diferentemente de outros países. Por isso, é um fenômeno praticamente impossível de se quantificar”, analisou.

Alejandro Isla revelou a grande desconfiança dos argentinos em relação à polícia e ao Estado. Segundo o professor, a Argentina passou por um processo de empobrecimento após a ditadura, durante a reorganização do país. O período entre 1976 e 1983 apresentou “aumento da insegurança em comparação com os tempos passados”, de acordo com Isla. O palestrante explicou que a desconfiança da população tinha justificativa: “quando a polícia aparece sendo cúmplice do delito, torna-se um mecanismo de deslegitimação do Estado”, encerrou Isla.