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O Estado a serviço do mercado

“O Estado só existe para proteger o setor financeiro”. A frase de Theotônio dos Santos, professor emérito da Universidade Federal Fluminense (UFF), ficou marcada na mesa de abertura do Seminário Internacional “O Estado Desenvolvimentista: Crise e Retomada”, realizada na última quinta (10/06), no Salão Dourado do Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da UFRJ. O debate, que também contou com a presença de Alcino Câmara Neto, decano do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE) da UFRJ, Alfredo Saad Filho, professor da Universidade de Londres (Inglaterra), e Carlos Mallorquín, da Universidade de Puebla (México), abordou o papel do Estado no crescimento e desenvolvimento dos países no mundo contemporâneo.

O docente questionou a política econômica adotada por países da Europa, que, em um momento de crise financeira mundial, restringem seus gastos. “É uma postura suicida. Essas medidas trarão ainda mais recessão”, avalia. Para o sociólogo, mestre em Ciências Políticas e doutor em Economia por Notório Saber da UFF e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os europeus ainda mantém uma visão geopolítica e econômica do mundo pós-2ª Guerra Mundial, quando havia um sentimento de gratidão para com os Estados Unidos. “Os países da Europa privilegiam o comércio com este país, em vez de intensificarem suas relações com a Ásia, onde está a maior potência exportadora do mundo: a China. Não há nenhuma racionalidade ou fundamento teórico nesta estratégia”, comentou.

Theotônio dos Santos também criticou a política de juros altos que, segundo ele, não promove equilíbrio nem estabilidade. “Pelo contrário. Estamos verificando que o discurso não está levando a uma resolução da crise. O débâcle de 2008 foi superado por intervenções do Estado sobre a Economia, mas está encaminhando uma situação ainda mais grave”, afirmou. Segundo o docente, o déficit fiscal não está sendo utilizado para promover melhorias para a população. “Mas sim, para manter o setor financeiro. E isto é insustentável”, completou.

China

A economia chinesa também foi alvo de análise dos especialistas. País com taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) anuais superiores a 10% ao ano, a China tem um mercado consumidor interno de 1,3 bilhão de habitantes. Sua política econômica é dirigida a este público, mas, ao mesmo tempo, os chineses compõem a maior nação exportadora do mundo. Apesar disso, o alto índice de pobreza e a emissão de gases poluidores, provenientes da queima do carvão (principal fonte energética), colocam em xeque o seu modelo de desenvolvimento. “Crescimento e desenvolvimento não andam juntos. E isto na China é sintomático. O país tem 800 milhões de famintos. Se você quer crescimento, tem que garantir meios de a população ter acesso a recursos básicos”, afirma Carlos Mallorquín.

“Há países que registram grandes desigualdades, mas que possuem enorme relevância geopolítica. Apesar de aspectos de relevante subdesenvolvimento, a China deve ser, hoje, percebida como um país central no cenário político mundial”, analisa Alcino Câmara Neto. Para  o professor do Instituto de Economia (IE) e decano do CCJE-UFRJ, os chineses vivem em um país capitalista. “Se a China está vencendo, o american way of life está vencendo. Com exceção dos 800 milhões de famintos, todos os chineses tomam Coca-cola”, citou Alcino.

Alfredo Saad Filho concorda. De acordo com o professor da Universidade de Londres, a China é um país capitalista, mas não neoliberal. “O Estado exerce forte controle sobre a Economia, como a produção, câmbio etc. Assim como o Japão, os chineses têm como prioridade o mercado interno. A diferença é que eles têm um público de mais de 1 bilhão de pessoas”, comparou Saad, para quem o modelo pode ser aplicado no Brasil. “Não vejo nenhuma razão para o Brasil não adotar este sistema. O problema é que nós precisaríamos romper com o modelo neoliberal adotado nos últimos 20, 25 anos”, concluiu.