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Um herói do nosso tempo provoca discussão sobre as fronteiras do mundo pós-moderno

Filme encerra o III Ciclo de Cinema e Infância da Escola de Educação Física

Na tarde desta quinta-feira (27/5), o III Ciclo de Cinema Infância, promovido pelo grupo de estudo Esquina – Cidade, Lazer e Animação Cultural da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD/UFRJ), foi encerrado com a exibição do filme Um herói do nosso tempo (2004). O longa-metragem conta a história de Shlomo, uma criança etíope que foge da seca em um acampamento sudanês ao se passar por um menino judeu migrando para Israel, onde é adotado por uma família de origem francesa. Para discutir os aspectos dessa Torre de Babel, da co-produção franco-israelense dirigida pelo romeno Radu Mihaileanu, foi convidado o psicanalista Luiz Felipe Faria, professor da Pós-Graduação em Psicanálise da Universidade Gama Filho.

O filme

Após a trágica morte de seu irmão, num acampamento no Sudão, a mãe biológica de Shlomo pede para que ele deixe aquele lugar sem perspectivas e lhe diz “vá, veja, transforme-se”. Sentindo-se rejeitado, o menino é entregue a segunda mãe, uma falasha, grupo de judeus etíopes – negros descendentes de Salomão e da Rainha do Sabá. Ela acolhe o menino lhe dando a oportunidade fugir da seca africana pela qual seu filho genuíno, Shlomo, não resistiu. Daí em diante o jovem etíope cristão assume a identidade da criança judaica falecida.

Neste momento, 1984, o Mossad, polícia secreta israelense, promove a missão especial Operação Moisés, com o objetivo de, em pouco mais de 24 horas, tirar quase 10 mil falashas do Sudão e transportá-los para Jerusalém. Então, com nove anos, Shlomo chega a Israel com a sua mãe judia. Pouco depois, devido por motivo de doença, o jovem perde sua segunda mãe.

É quando está solitário, longe de suas raízes, que a criança ganha a sua terceira mãe, Yael, ao ser adotado por uma família israelense, não-judaica. Podendo desfrutar do conforto de uma família de classe média o menino vai se tornando homem, até se formar médico na França, enfrentando o preconceito por parte de judeus que não consideram os falashas legítimos herdeiros da religião, ao mesmo tempo em que convive com o segredo de não ser judeu.

Debate

A crise de identidade e as dificuldades no convívio com o outro, o diferente, pautaram a discussão na seqüência da exibição do filme.  De acordo com o psicanalista Luiz Felipe, Um herói do nosso tempo discute um tema próprio dos tempos pós-modernos: fronteiras e subjetividade. “Shlomo é de qual lugar? De lugar nenhum? Judeu ou cristão? Negro ou vermelho? Etíope ou israelense?”, questiona o professor. Diante deste mundo completamente novo, o princípio da hospitalidade, simbolizado pela família adotiva, é fundamental na relação com o outro.

Segundo o professor, o protagonista do filme está permanentemente vivenciando a experiência da fronteira, não apenas física ou geográfica. “É uma experiência paradoxal em um mundo que nos desterritorializa. A experiência do devir, ser outro, estar se transformando constantemente. Se fazer outro na relação consigo mesmo”, diz Luiz Felipe. E ao final da história, quando no acampamento da ONG Médicos sem Fronteiras Shlomo reencontra a sua primeira mãe, ambos já não são os mesmos.