A melatonina é um hormônio produzido por animais e plantas. Nos seres humanos, por exemplo, essa substância é produto da glândula pineal e tem como principal função regular o sono. Um estudo realizado no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da UFRJ investigou uma possível função protetora deste hormônio contra efeitos da radiação ultravioleta. Os resultados não poderiam ser melhores: “verificamos que a melatonina teve um grande papel protetor e na dose fisiológica (necessária ao organismo)”, relata a orientadora do trabalho, Silvana Allodi, professora do ICB.
O trabalho intitulado “Efeitos da radiação ultravioleta no pedúnculo óptico de caranguejos Neohelice granulata: um possível papel protetor da melatonina” corresponde à tese de doutorado de Marcelo Alves Vargas, que foi aluno do Programa de Pós-graduação em Ciências Morfológicas do ICB. “Esse estudo é inédito e começou há aproximadamente quatro anos”, avalia Silvana Allodi.
Segundo Marcelo Vargas, atualmente os cientistas observam um aumento da incidência da radiação ultravioleta, devido à diminuição da camada de ozônio. “Isso pode gerar muitos danos, não apenas numa população específica, mas no ecossistema em geral”, observa. Com base nessa perspectiva, ele investigou a ação da radiação ultravioleta no sistema visual dos caranguejos. A escolha deveu-se ao fato de este animal pertencer aos ecossistemas de mangue e marisma, considerados berço dos animais marinhos.
No estudo, um dos objetivos foi verificar quais eram os possíveis danos que a radiação ultravioleta (UV) causa ao animal, tanto a UVA (que possui comprimentos de ondas entre 320 e 400 nanômetros) quanto a UVB (cujos comprimentos de ondas variam entre 290 e 320 nanômetros). “Utilizamos doses ambientais de UVA e supra-ambientais de UVB para estimarmos o que poderia acontecer com a diminuição da camada de ozônio”, explica Marcelo.
De acordo com Silvana Allodi, no Rio Grande do Sul, uma das regiões em que os caranguejos foram coletados, há um buraco na camada de ozônio, causado pela liberação de gases clorofluorcarbonos. No local, houve aumento significativo da incidência de raios UVB, aqueles que, de maneira apropriada, devem chegar em quantidades mínimas à superfície da terra. Sendo assim, na realização dos procedimentos, as doses de UVB foram aumentadas, para se saber os efeitos que essa mudança acarreta em animais que vivem em ambientes nestas condições.
Ação do hormônio
“Em humanos, mais especificamente, a melatonina é liberada por volta de três horas da manhã, causando sonolência, sugerindo que o corpo está no período noturno. Mas além da indicação de fotoperíodo, este hormônio também tem ação antioxidante, e quisemos investigá-la nos caranguejos”, relata Marcelo Vargas.
De acordo com ele, a melatonina já havia sido identificada no sistema visual de diversas espécies de caranguejos. Sendo assim, o pesquisador procurou verificar a aplicação do hormônio como um possível protetor. “E realmente comprovamos que teve grande ação protetora: diminuiu danos, minimizou a produção de espécies reativas de oxigênio e aumentou a capacidade antioxidante, em doses fisiológicas”, informa.
Segundo Silvana, neste tipo de experimento é possível utilizar tanto a dose fisiológica de radiação como doses acima ou abaixo desta. Marcelo realizou o procedimento das três maneiras. “O interessante é que a melhor delas foi justamente a resposta à dose fisiológica. Consideramos esse um excelente resultado, pois verificamos que um ‘caminhão’ de melatonina pode ser até prejudicial”, expõe a professora.
Ela contou que há cerca de dez anos foi uma espécie de “moda” o consumo de melatonina, comercializada em farmácias, devido à ação antioxidante da substância. “Isso trouxe vários distúrbios a quem utilizou. Com o trabalho realizado, vemos é que a melatonina é protetora, mas na dose fisiológica mesmo, e não além”, garante Allodi.
Marcelo explicou que o principal dano de que a melatonina protege é o de liperoxidação: “quando a radiação ultravioleta incide na célula, produz as chamadas espécies reativas de oxigênio, que atacam principalmente a membrana plasmática, danificando a propriedade dos lipídios. Com isso, a ela perde sua função e a célula começa a morrer, porque já não é mais seletiva. Então, verificamos que a melatonina está impedindo esse dano oxidativo causado pelas espécies reativas, por si geradas pela incidência da radiação ultravioleta”, constata.
Silvana explicou que os caranguejos foram utilizados como um modelo e que o dano causado à membrana celular é comum a todas as espécies vivas. “Esse resultado é um indicativo até mesmo para nós. Conseguimos observar a quebra de um dogma com o trabalho”, revela. O estudo será publicado na revista Comparative Biochemistry and Physiology – Part C, em abril.