De Porto Alegre – “A gente quer comida, reconstrução e água”, não necessariamente nessa ordem, diriam os haitianos, se houvesse espaço para lirismo em tempos de tragédia. Na entrevista concedida na tarde desta terça, dia 26, na sala de imprensa da Usina do Gasômetro, durante o Fórum Social Mundial, Carlos de Oliveira e Sidevaldo Miranda, trabalhadores da Via Campesina, afirmaram que essas são as prioridades emergenciais do povo haitiano. “Duvido muito que um soldado estadunidense, trajado com seu aparato militar, tenha condições de servir um prato de comida para quem está faminto”, comentou Oliveira.
Residentes desde janeiro de 2009 no Haiti, os trabalhadores comunicaram que uma carta será entregue ao presidente Luís Inácio Lula da Silva solicitando o envio de: sementes para plantio de alimentos; retroescavadeiras e demais materiais para a construção de 50 mil cisternas e reservatórios de água; transporte de 40 trabalhadores brasileiros para ajudar na reconstrução do país, entre eles, técnicos agrícolas, engenheiros e pedreiros. A previsão é que esta mão de obra embarque no dia 25 de fevereiro, mas a Via Campesina espera contar com a ajuda do governo brasileiro. Além disso, a entidade propõe o intercâmbio de 120 jovens haitianos que farão cursos técnicos em agroecologia no Brasil e o posterior regresso ao país caribenho.
Carlos Oliveira e Sidevaldo Miranda fazem parte de um grupo de quatro pessoas do movimento que vive no Haiti desde 2009. Eles relatam que o país sofre de um grave problema de falta de água potável. “Praticamente não há. Cerca de 90% deste recurso natural são contaminados por coliformes fecais”, explica Oliveira. “Por isso, precisamos enviar retroescavadeiras para construir reservatórios e cisternas”, completa o técnico agrícola Sidevaldo Miranda.
A produção de alimentos é outro grave problema enfrentado pelos haitianos. Cerca de 60% dos 9 milhões de habitantes vivem em áreas rurais do país com pouco mais de 27 mil Km2 de extensão. No entanto, grande parte desta área é ocupada por empresas agrícolas transnacionais. Eis a necessidade do envio de sementes de árvores frutíferas para estimular a agricultura familiar. “A população haitiana já conhece as sementes, mas ainda não tem acesso a elas. Esta é também uma questão de autonomia, acima de tudo”, resume Miranda.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) é outra entidade que atua no sentido de ajudar o povo haitiano. Quintino Severo, secretário-geral da CUT, explica que a organização tem uma relação antiga com os movimentos sindicais do país caribenho. Segundo o dirigente, foi criada, no último dia 19, uma conta bancária para receber doações; e estão em vias de formação duas brigadas de trabalhadores que serão transportados para o Haiti: uma delas composta por agentes de saúde e outra por profissionais de construção civil.
Caráter militarista
A ocupação militar das forças internacionais em território haitiano foi duramente criticada. Para Severo, a intervenção estadunidense no aeroporto de Porto Príncipe deveria ser revista. “O exército brasileiro tem grande potencial técnico, que poderia ser utilizado para a construção de estradas, reservatórios, entre outras obras”, analisou. Sidevaldo Miranda acredita que o Brasil deveria retomar a dianteira das forças de paz, como acontecia antes do terremoto. “Acho que as tropas brasileiras estão ajudando mais do que as dos demais países. O que a população haitiana precisa é de ajuda humanitária, não de soldados armados”, concluiu.