O ano de 2010 vem aí e com ele chega ao fim a primeira década do século XXI. A festa que acontece na virada de 31 de dezembro para 1º de janeiro é resultado da associação de valores culturais e religiosos a diversos marcadores naturais de tempo cíclico, que juntos conduzem a esperança de milhões de pessoas por uma nova chance de recomeçar.
Em entrevista publicada na edição 104 do Olhar Virtual, o pesquisador Felipe Berocan, do Laboratório de Etnografia Metropolitana do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (LEMetro/IFCS), lembrou que o Réveillon tem origens cristãs: “O Ocidente segue o calendário gregoriano, formulado pelo papa Gregório XIII em 1582. Definir instantes no tempo sempre foi importante para estabelecer e cumprir os mais diversos compromissos. É uma forma de poder. Nosso calendário é uma convenção cultural, fixada em princípios da Astronomia. Mas existem muitos outros, como o muçulmano e o judeu”.
No passado, os homens usavam, de acordo com conveniências da época, três fenômenos periódicos para marcar a passagem do tempo: a noite e o dia, as fases da Lua e as estações do ano. Esses fenômenos são determinados pela rotação da Terra ao redor de seu eixo, rotação da Lua ao redor da Terra e rotação da Terra ao redor do Sol (movimento de translação). Os fenômenos astronômicos ocorrem no vácuo do espaço sideral, com quase nenhum atrito e pouquíssima interferência externa. São muito precisos para todos os efeitos práticos de determinação do tempo. O que atrapalha um pouco, no entanto, é que a relação entre o período de um ano e um dia não é uma relação de números inteiros: o período de um ano, após o qual o Sol repete exatamente sua posição no céu, dura cerca de 365,25 dias.
Ao fim de quatro anos, a fração de dia excedente soma um novo dia de 24 horas, que por convenção deve ser acrescentado ao mês de fevereiro, criando-se o ano bissexto (com 366 dias). Apropriando-nos dos ciclos naturais, comemoramos o Réveillon como um rito de passagem, uma forma de recomeçar o tempo, quando o Sol retorna ao seu “lugar de origem”. “Por ser uma comemoração baseada em aspectos cíclicos naturais, o Réveillon não é exclusividade dos cristãos”, explica Berocan.
As religiões afro-brasileiras, como o Candomblé e a Umbanda, também celebram a passagem do ano com rituais de purificação e renascimento, através de símbolos e oferendas, com especial atenção para o misticismo existente em torno das cores de vestimentas para a virada do ano. “São rituais que procuram dar um significado visual às cores de acordo com nossos próprios desejos e crenças. Os exemplos clássicos são o branco, que simboliza pureza e nascimento, e o vermelho, simbolizando a paixão. É interessante ver como os significados se relacionam com determinados rituais religiosos”, afirma o pesquisador.
Mas nem tudo é religião. Mesmo aqueles que se consideram ateus ou desvinculados de crenças comemoram o ano-novo. “As proporções do Réveillon atingem todas as esferas da vida social. São valores de renovação que estão presentes em todas as culturas e seguem a própria passagem de tempo cíclico. Na teoria antropológica, consideramos o Réveillon um Fato Social Total, segundo a teoria de Marcel Mauss, pois engloba diferentes aspectos da vida social. Não podemos esquecer, é claro, dos valores de mercado que foram incorporados à comemoração, como a necessidade de se usar moedas como amuletos de sorte e prosperidade”, lembra Berocan.
Ano-novo judeu
Segundo o Judaísmo, o perdão de Deus veio no décimo dia do ano judaico. Nessa data é comemorado o Yon Kippur (Dia do Perdão). Dez dias antes, o povo judeu comemora o Ano-Novo, chamado Rosh Hashaná, que é na verdade o aniversário do Universo, o sexto dia da criação — quando Deus criou o primeiro homem.
Costuma-se distribuir doces para desejar aos amigos que o novo ano seja doce. Neste ano, o Rosh Hashaná foi comemorado em outubro.
Ano-novo islâmico
O ano-novo muçulmano inicia-se celebrando a Hégira, no dia 1° do mês de Al-Moharam (junho/julho). O calendário muçulmano mede o ano pelas 12 revoluções completas da Lua em torno da Terra e é, em média, 11 dias menor do que o ano solar. A Hégira, fuga de Maomé de Meca, marca o ano-novo.
Ano-novo chinês
O calendário chinês divide-se em 12 meses de 29 e 30 dias, com a compensação de um mês extra a cada dois anos e meio, e anos classificados em ciclos sexagenários, que se subdividem, por sua vez, em grupos de 12, designados com nomes de animais, escolhidos pela lenda como sendo os 12 animais que compareceram a uma reunião convocada por Buda. A véspera do ano-novo, no 29° ou no 30° dia da 12ª lua, é dia de jantar com a família (Tuan Nian Fan), e no primeiro dia da primeira lua, depois da meia-noite, começam as felicitações entre os familiares e vizinhos. Votos de abundância de dinheiro (Gong Xi Fa Cai), boa saúde (Sheng Ti Jian Kan) e realizações pessoais (Xin Xian Shi Cheng) são as expressões mais usuais. O primeiro dia do ano é para se viver em família e é também o dia do nascimento do Galo.