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Muro de Berlim: 20 anos depois

Especialistas da UFRJ debateram, na última quinta, no Ifcs, causas e consequências da queda do maior símbolo da Guerra Fria.

 Foto: Patrícia Rodrigues

  

Para José Paulo Neto, o socialismo ainda é uma alternativa ao capitalismo.

Há exatas duas décadas, caía um dos maiores símbolos do Socialismo Real. O Muro de Berlim, erguido em 1961, dividiu a Alemanha em dois países distintos: República Democrática da Alemanha e República Federal da Alemanha. Em novembro de 1989, no entanto, a parede que separou milhares de famílias por 38 anos foi derrubada. Com ela, caía por terra a Guerra Fria e ruía também a influência do sistema socialista na Europa Oriental.

O ato reuniu alemães de diversas regiões do país que, para comemorar, ajudaram a derrubar o muro. Emissoras de televisão de todo o mundo registraram o momento. Para além da destruição dos blocos de concreto, a queda do Muro de Berlim representava, para muitos, a perspectiva de uma vida melhor, o que não se efetivou na prática para outros tantos.

Com o intuito de debater as circunstâncias que motivaram o emblemático ato e refletir sobre suas conseqüências, três importantes pensadores brasileiros do Socialismo se reuniram, na tarde da última quinta-feira (12), no Salão Nobre do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ. José Paulo Netto e Carlos Nelson Coutinho, ambos professores da Escola de Serviço Social (ESS), e Felipe Demier, docente do Departamento de História da universidade, debateram por mais de duas horas sobre os “20 anos da Queda do Muro de Berlim e a atualidade do Socialismo”.

José Paulo Netto resgatou o contexto histórico em que se deu a construção da muralha. O pesquisador chama a iniciativa separatista de “o muro da vergonha” e explica que ele se constituía no “emblema de uma ordem social que precisava desse horroroso sinal para se manter”.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha foi ocupada pelo exército de quatro nações distintas — Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra e França. Em 1949, os soviéticos fecharam o contato com a região que estava sob o seu controle e, com isso, a hostilidade com os demais ocupantes do país se acirrou. “O território leste foi o mais castigado pela guerra. Episódios de rebeldia operária eram comuns na Berlim Oriental. A área era um barril de pólvora prestes a explodir. Para conter os ânimos, o governo passou a oferecer subsídios à alimentação e a bens de consumo não-duráveis. Acontece que os cidadãos da Berlim Ocidental iam para Berlim Leste fazer compras. Para resolver o problema, o muro foi a solução encontrada”, elucida Paulo Netto.

O professor ressalta que a queda do muro assinala o esgotamento do ciclo histórico do chamado Socialismo Real. Segundo Paulo Netto, a crise socialista se agravou já nos anos 1970, em função da falta de renovação no padrão de desenvolvimento das forças produtivas. “Era necessário um novo padrão que envolvesse investimentos em conhecimentos científicos e tecnológicos. Mas, em um sistema que fundiu partido e Estado, as bases sociais não se socializaram com a Política. A cúpula do governo precisava se transformar, mas ninguém deu o pontapé inicial”, observa o docente.

Paulo Netto enfatiza que a crise do socialismo soviético não foi resultado de pressões externas, mas de contradições próprias do sistema. Ele cita, entretanto, diversas pesquisas nas quais se evidencia que a maior parte dos alemães com mais de 30 anos não considera que seu nível de vida tenha melhorado desde a queda do muro. Para o intelectual, esse é um dos sinais indicativos de que o socialismo ainda é uma alternativa viável ao capitalismo. “A derrota do muro é provisória. A única alternativa teórica ainda é o arsenal crítico da teoria do pensamento marxista. Em breve, teremos que escolher entre o socialismo e a barbárie”, disse.

O entrave da burocracia

Uma das mais evidentes contradições do Socialismo Real Soviético era, na opinião de Leon Trotsky, importante revolucionário bolchevique e articulador da Revolução Russa de 1917, a burocracia que marcava as relações sociais nos países socialistas. A burocracia impôs uma distribuição desigual de privilégios, já que fornecia vantagens —de acesso a bens e serviços, inclusive — a um setor minoritário da sociedade soviética.

O historiador Felipe Demier explica que essa burocracia, engendrada nas primeiras décadas de existência da URSS (União de Repúblicas Socialistas Soviéticas), embora não defendesse uma volta ao capitalismo, em longo prazo, se contrapôs aos interesses da Revolução e do Proletariado e contribuiu para o episódio da queda do muro. “Ainda que tenha existido certa luta contra a burocracia, o caráter da mobilização pela queda era contra-revolucionário e buscava a restauração do capitalismo. Mas há ali, na derrubada do muro, um elemento de contestação a essa burocracia que, por décadas, figurou como impeditiva da realização dos interesses do proletariado”, afirmou.

O socialismo ainda é possível

Muitos estudiosos elegem a falta de apelo da Revolução no Ocidente como uma das causas do fracasso do socialismo no Oriente. Lênin, outro importante articulador da Revolução Russa, evidenciara, já na década de 1920, que, para ter êxito, a revolução deveria sair dos limites da Rússia e se espraiar para a porção ocidental da Europa. Carlos Nelson Coutinho revela que as condições históricas do oeste europeu exigiam um tipo distinto de ação da verificada no leste. “No Oriente, o Estado era forte e a sociedade primitiva. Já no Ocidente, havia uma relação equilibrada entre os dois. Sendo assim, o tipo de revolução neste último não pode ser igual ao do Oriente. Aqui, seria necessário haver uma luta pela hegemonia. Para que o socialismo seja viável, devemos verificar as condições históricas de cada país”, afirmou Coutinho.

Provocador, o pesquisador pontua que em nenhum outro momento houve condições tão propícias ao Socialismo como as verificadas hoje. Embora a desterritorialização do trabalho tenha promovido uma dispersão das classes trabalhadoras, o capitalismo cria, cada vez mais, problemas de desemprego estrutural e de desgaste ambiental que clamam por uma solução. “Sou pessimista quando analiso as condições do mundo contemporâneo. Isso nos ajuda a perceber as dificuldades. Mas temos que ser otimistas no terreno da vontade. Devemos ter a certeza de que nossa ação pode mudar o mundo. O pessimismo estimula e reforça nosso empenho em transformar essa realidade”, finalizou.