Categorias
Memória

Sobre meninos e leis

Para que não valha a arbitrariedade, vingança e justiça não podem ser confundidas. A partir do momento em que vivemos num Estado de Direito, o que vale para os tribunais é aquilo que está escrito e definido em lei. No entanto, essa lei é criada baseando-se em princípios estabelecidos de modo deliberativo, como parte de um processo na democracia liberal brasileira, o que significa que, necessariamente, num governo em que a articulação com a população é bem desenvolvida, “a voz do povo é a voz de Deus”, como diz bem o dito popular.

Desta maneira, não foi sem tempo, de acordo com Lúcia de Castro e Hebe Signorini (ambas da UFRJ), que aconteceu o seminário “Adolescência e Justiça: Autoridade, Lei e Família – VI Jornada de Pesquisa e Intercâmbio do NIPIAC”, na Casa da Ciência. As duas compuseram a mesa de abertura do evento realizado nos dias 22 e 23 de outubro, cujo principal propósito era discutir as relações, tanto da juventude com a lei, como da sociedade para com as crianças e adolescentes. Hebe Signorini conta, com perplexidade, que já conhecera juízes (no plural mesmo) da Vara da Infância e da Juventude que teriam sido procurados por pais desesperados por uma intervenção judicial dentro da própria família, na tentativa de impor respeito aos filhos. Para ela e Lúcia de Castro é imperativo que, a partir do instante em que os próprios responsáveis não se acham mais na capacidade de agir senão com o amparo legal, é necessário que o tema seja aprofundado.

A Conferência de abertura seria ministrada pelo professor Newton Bignotto, da Universidade Federal de Minas Gerais, mas por razões pessoais ele não pôde comparecer, o que fez com que a palestra “Justiça e liberdade: a infância e a adolescência nas margens da lei” fosse lida na íntegra por Lúcia de Castro.

Segundo o professor, existe certo “espetáculo de realidade” presente em nosso tempo. Devido a isso, jornais lucram com mostras de crueldade e frieza presentes nos crimes relativos ao cotidiano das grandes cidades. Neste sentido, acontecimentos envolvendo adolescentes e, principalmente, crianças, como vítimas ou criminosos, tendem a atrair mais do que mera curiosidade dos leitores e telespectadores do país. Então, a discussão torna-se inevitável, dividindo opiniões.

Newton Bignotto afirma que enquanto a modalidade de Justiça corretiva (modalidade que implica uma espécie de compensação entre o dano causado e o danificado, ou entre o devedor e o credor) é vista como aceitável e cada vez mais rigorosa por parte da população, a outra modalidade chamada de Justiça Distributiva (que tem como foco a repartição de bens ou penalidades segundo os méritos de cada um) é malcompreendida. “O direito distributivo não é visto nem como razoável.”

No plano do cuidado com a juventude, tal questão é ainda mais delicada. Bignotto lembra que, com a propagação de uma imagem estereotipada da juventude criminosa – muito em função da própria mídia, mas também de um imaginário popular quase que viral –, muitos desejam que o estatuto da criança e do adolescente seja rasgado e que passe a valer o anterior, que não diferenciava do tratamento para adultos.

Na tentativa de reduzir a maioridade penal – um clamor de vários setores da sociedade -, Bignotto afirma que existiria também certo ideal de vingança como ferramenta de quando falha a justiça. Segundo ele, julgar crianças segundo os parâmetros de uma justiça meramente corretiva seria esquecer-se das especificidades que regem suas vidas.