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A psicanálise além do consultório

Não existe diálogo sem integração. Não há solução consistente sem o estabelecimento dos diversos pontos de vista. E também não há unidade sem conciliação de diferenças. Foi por essas e outras razões que a mesa-redonda “Rio: que cidade é essa? – A ética na contemporaneidade” realizou, em seu segundo ano consecutivo, um debate franco e aberto entre a Universidade e diversos setores à primeira vista incongruentes. Dentre os presentes estavam o presidente da Associação de Fiscais de Renda do Estado do Rio de Janeiro (AFRE-RJ), Octávio Neto, a curadora do projeto cultura e saúde, Elizabeth Castro, e Pedro Gomes, presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise (SBP-RJ).

Compunham também a mesa Sérgio Nick, representando a Federação Brasileira de Psicanálise, Aloysio de Abreu, da Federação Psicoanalítica da América Latina, Vitor Pordeus da Silva, representando o secretário Mmunicipal de Saúde, e Maria Teresa Rocha, também da SBPRJ. Realizado no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, o evento foi um dos vários realizados feitos em comemoração aos 50 anos da criação da SBP-RJ e teve entrada gratuita.

A mistura de representantes de grupos com óticas diversas foi o que deu tom e credibilidade ao debate, que defendia a criação da idéeia de um Rio de Janeiro uno – e não partido, como muitos alegam existir –, e integrado, apesar (ou, justamente, por causa) das diferenças. Vitor Pordeus foi emblemático neste sentido. Ao mesmo tempo em que se manifesta como funcionário público ligado à saúde, Pordeus é também da área do teatro. Defendeu a necessidade de se tratar da saúde falando mais de cultura do que do método prescricional tradicional. E alega: “É necessário que a psicanálise vá além do consultório, que a ciência vá além do laboratório e que a arte vá além da televisão.”

Rio: cidade esquizofrênica?
A segunda parte do evento foi uma conferência ministrada por Jailson de Souza Silva. Geógrafo, professor e pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF), Jailson falou com orgulho de suas próprias origens como “intelectual da favela, da periferia”, de herança nordestina. Jailson é também coordenador do Observatório de Favelas e diz ficar transtornado com a crescente “naturalização da violência contra os pobres e com a função pragmática que a violência vem assumindo. Por isso mesmo, defendeu que só existe um meio de dar ao Rio uma face mais justa: quebrando com a noção de cidade partida, dupla; e prosseguir na construção do indivíduo como sujeito, e não como mero cliente.

Jailson Silva afirmou que hoje vivemos numa cidade esquizofrênica: afinal, como orgulhar-se das figuras que compõem o “folclore carioca” – a mulata, o sambista, o malandro – ao mesmo tempo em que se renegam as figuras populares que oas formaram? Não existiria nesse sentido uma forte negação da realidade, ao apontar para um suposto Rio de Janeiro edílico que jamais existiu de fato? Para o professor, a resposta é sim. “O Rio não é um caos, mas uma cidade de pluralidades,”, defende. Essa “esquizofrenia” seria ainda seguida da “depressão” causada pelo medo, e de um “mal de Alzheimer”, responsável pelo esquecimento de que, em épocas anteriores, as relações de desigualdade eram ainda mais cristalizadas do que hoje.

Romper com o vício do autoritarismo, abrir-se para o diálogo com o próximo e sentir que se está fazendo a diferença é que é, para Jailson Silva, a grande questão em debate. Não é fácil, afirma, mas em compensação “rompe-se com a doença da esquizofrenia, do Alzheimer e da depressão.”. E após dois segundos de silêncio, não resiste à piada: “Além de melhorar a vida sexual. Por isso eu recomendo.”