Com a adesão ao Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), a UFRJ vai realizar o Concurso de Acesso aos Cursos de Graduação em 2010 em duas etapas. É uma operação que fará a universidade mobilizar cerca de quatro mil pessoas em um modelo novo, que continua a demandar planejamento ao longo de meses, mas, para os organizadores, será a mistura ideal com avaliações objetivas e discursivas.
A primeira fase da seleção terá caráter eliminatório e ficará sob responsabilidade do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação. Ela constará da aplicação de quatro provas objetivas, em um total de 200 questões, nas áreas de Linguagens, de Ciências Naturais, de Ciências Humanas e de Matemática. São mais de 4,5 milhões de inscritos para a seleção que acontece nos dias 3 e 4 de outubro, sendo 311.641 somente no estado do Rio de Janeiro.
As provas serão realizadas em 1.826 municípios brasileiros, no sábado, das 13h às 17h30, e no domingo, das 13h às 18h30. No Rio de Janeiro, além da UFRJ adotarão o Enem a Universidade Federal Fluminense (UFF), a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Enquanto a instituição de Niterói terá duas fases, como a UFRJ, aproveitando a nota do Enem como bônus para compor a nota da segunda fase de alunos da rede pública, as duas últimas universidades terão uma fase única aproveitando o resultado do exame nacional.
A segunda etapa do concurso da UFRJ, prevista para a primeira quinzena de janeiro, constará de provas discursivas: duas comuns a todos os candidatos: Redação e mais Língua Portuguesa e Literatura Brasileira; e ainda três provas de disciplinas específicas para o grupo de cursos escolhidos pelos estudantes. Elas ficarão a cargo da Coordenação do Concurso de Acesso aos Cursos de Graduação que convocará os que tiverem notas no Enem em uma classificação até o quádruplo do número de vagas oferecidas por cada opção de curso.
A chamada será em ordem decrescente, conforme o resultado do somatório das provas do Enem a ser divulgado no dia 4 de dezembro. No entanto, não bastará ao candidato o bom desempenho no exame nacional. Quem quiser estudar na UFRJ terá de efetivar uma pré-inscrição no concurso em outubro. Na ocasião, deverá ser feita a escolha da carreira a ser cursada. A pré-inscrição para a segunda fase do acesso à UFRJ, porém, será gratuita, bastando apenas ao concorrente apresentar o número de inscrição no Enem. O programa e o calendário do concurso da instituição ainda dependem de aprovação do Conselho de Ensino de Graduação (CEG), mas deverão ser divulgados a partir de 1º de setembro, quando sair o edital da segunda etapa.
A participação no Enem parece ter aguçado o desejo de se preparar um processo seletivo que busque, segundo Luiz Otávio Langlois, coordenador acadêmico da Comissão do Concurso de Acesso aos Cursos de Graduação da UFRJ, avaliar a capacidade de raciocínio dos candidatos e saber se eles estabelecem relações entre fatos e dados, interpretam gráficos e tabelas sem o tradicional caráter conteudista. “Nossas provas são criativas e tentam avaliar habilidade e inteligência mais do que conteúdo consolidado ou decorado. A nossa avaliação é capaz de selecionar talentos. Ouso dizer que a prova da UFRJ é melhor do que a do Enem”, ressalta Langlois.
As provas da UFRJ há anos são discursivas e dificilmente esse modelo será modificado, apesar do Enem. Na opinião de Langlois, o exame nacional será muito útil para muitas universidades, pois será um instrumento poderoso, mas há que se ter cautela. “Eu diria que em relação a UFRJ, dificilmente vamos conseguir substituir as provas discursivas. Acho que esse modelo que estamos adotando, com duas fases, é ideal para seleção de nossa universidade. A primeira etapa ajuda o Enem, ajuda o Inep, ajuda a regular um pouco o Ensino Médio no sentido de que todos os alunos têm de fazer essa prova, mas não dispensa as provas discursivas”, avalia o coordenador.
Segundo ele, na época em que o vestibular do Rio de Janeiro era somente de múltipla-escolha, o modelo se estendeu para as provas bimestrais aplicadas nas escolas e depois para os livros didáticos, provocando efeitos devastadores no Ensino Médio. “Nos Estados Unidos, há estudos que mostram como as provas de múltipla-escolha não são suficientes e o quanto as discursivas são importantes”, exemplifica Luiz Otávio Langlois.
Ele é tão favorável às avaliações discursivas, que acredita piamente ser muito danoso para o Ensino Médio a volta ao modelo apenas com questões de múltipla-escolha. Na opinião de Langlois, as provas discursivas da UFRJ são capazes de selecionar melhor porque, entre outras características, exigem que o estudante não seja apenas um bom leitor, mas um autor das próprias respostas.
No entanto, ele reconhece que nem sempre é possível fugir de avaliações que cobrem conhecimento de fórmulas: “tentamos. Mas em provas como de Física e de Química não há muita saída para isso. O Ensino Médio não dá conta de programas tão enciclopédicos e imensos como são os da UFRJ. Nós reconhecemos isso e há uma tentativa de deixar de lado o conteudismo, trabalhar mais com os conhecimentos centrais para a formação do aluno em qualquer área. O pessoal que trabalha na área de Química acabou de fazer uma excelente reforma no programa que é muito melhor que a matriz de referência do Enem. Nós conseguiremos selecionar, na prova de Química, melhor que o Enem, cobrando menos conteúdo, mas ainda assim cobrando conhecimento de Química.”
Langlois deixa claro, porém, que considera o Enem um instrumento poderosíssimo e muito importante. “A dificuldade é que ele está precisando dar conta de três tarefas muito complicadas e que nem sempre se consegue resolver somente com um formato: primeiro, ele é um instrumento de avaliação do Ensino Médio; agora, ele passou a ser um instrumento de seleção para as universidades. Cada vez mais é adotado com o duplo papel e nem sempre se consegue ter o mesmo instrumento para a eficiência na seleção e na avaliação. Para fazer a seleção, por exemplo, tiveram que multiplicar por três a quantidade de questões. Isso gera problema no tempo de prova, além de restrições que temos ao formato atual do Enem.”
De acordo com o professor, submeter o estudante a seis horas de prova, no dia seguinte mais cinco horas de exame e mais redação, é um massacre. E ainda, para ficar com um formato que é mais ou menos a cara do Enem atual, que tem os enunciados muito longos, vai dar muito trabalho. “E agora, o Ministério da Educação quer um terceiro papel para o Enem, que é o de regular os currículos do Ensino Médio.”
Operação de guerra
As preocupações, todavia, não se limitam ao modelo de prova e a forma de avaliar os candidatos ao ingresso na UFRJ, como explica Mônica Conde, responsável por toda a logística do concurso. “Tendo o Enem como primeira etapa, diminui a quantidade de candidatos, mas, o processo continua sendo contínuo”, afirma a coordenadora administrativa da Coordenação de Acesso.
No último processo seletivo, foram 51.558 candidatos e a estimativa é que em 2010 o número caia para 32 mil, que é o quádruplo do número de vagas oferecidas pela UFRJ. “É uma operação de guerra mesmo, porque todo o processo, desde o início até o final, é extremamente trabalhoso”, avalia Mônica Conde, esclarecendo que somente a partir do quantitativo dos candidatos é possível determinar o pessoal e o material que serão utilizados.
“Anteriormente, com 50 mil candidatos, em dia de aplicação de prova havia, em média, seis mil pessoas trabalhando. Somente na correção, a banca tinha aproximadamente 400 professores. Agora, o número deve cair para algo em torno de quatro mil pessoas, com o número de professores chegando a 250. Isso, mantendo a aplicação apenas no estado do Rio de Janeiro”, estima Mônica.
Cabo Frio, Campos, Macaé, Nova Friburgo, Volta Redonda, Petrópolis, Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Niterói e São Gonçalo são os municípios fora da capital onde são aplicadas as provas. Para o próximo ano, é possível que o primeiro município seja excluído do grupo com as pessoas sendo redirecionadas para as cidades próximas como Macaé, São Gonçalo e Niterói.
A escolha é definida pela proximidade do Código de Endereçamento Postal (CEP) dos candidatos com os locais de prova. “A gente aloca os candidatos e, a partir do quantitativo, dispõe, por exemplo, rádios de longa e de curta distância, detectores de metais, papel higiênico, papel toalha e litros de desinfetante”, explica a coordenadora, dando conta de parte da necessária logística a ser disponibilizada nos locais de aplicação de provas.
Além dos 57 pontos diferentes de aplicação dos exames, a UFRJ realiza avaliações em unidades prisionais do Desipe, no Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines) e no Instituto Benjamim Constant (instituição de educação de cegos). Com a adoção do Enem, Mônica Conde acha que não ocorrerão exames para internos do Desipe. Ela crê que os detentos serão superados por outros candidatos que antes ficavam de fora porque não podiam pagar a inscrição, como por exemplo, muitos estudantes da rede pública de ensino que foram isentos da taxa de R$ 35 do exame nacional.
Segurança: preocupação permanente
A cada ano, com a evolução tecnológica aumenta a preocupação com a segurança e o sigilo. Em 2010, por exemplo, para evitar canetas espiãs (scanners portáteis) os candidatos somente poderão realizar os exames com canetas que tenham o corpo transparente. “Enquanto a gente passa dias buscando soluções de segurança que impeçam fraudes, há sempre um novo mecanismo de burla”, constata Mônica Conde.
Também são utilizadas gráficas diferentes para imprimir os cadernos de questões e os de respostas. “A gente fecha a gráfica e um grupo de pessoas indicadas pela UFRJ acompanha todo o processo. É escolhido um único computador – desconectado de toda e qualquer rede – onde são abertos os arquivos com as provas. Também há câmeras de segurança para gravar o que acontece. Todo o lixo por nós gerado, sequer fica na gráfica. Qualquer pedacinho de papel é trazido de volta. Os rolos de impressão das máquinas são limpos”, revela a coordenadora.
Mecanismo contém “invasão”
A possibilidade de haver um aumento significativo na quantidade de estudantes de outros estados brasileiros disputando vagas com cariocas e fluminenses, uma vez que, é possível se inscrever em até cinco cursos de universidades diferentes, está descartada. O leque de opções é apenas para as Ifes que adotam o Enem como única forma de acesso. Além de ter duas fases, a UFRJ tem um mecanismo de pré-inscrição previsto para acontecer em outubro que também seria capaz de conter a vinda em massa de pessoas de outros estados. “Particularmente, eu não acredito que isso possa acontecer. Acho que continuará a mesma dinâmica dos concursos anteriores (pouca demanda de estudantes de outros estados). Há, inclusive, coincidência de datas na aplicação de provas (em outros estados) no período que estamos prevendo para fazer os exames da segunda fase”, avalia Mônica.
Desencontros
A prova do Enem trará cinco notas diferentes para cada uma das quatro áreas do conhecimento avaliadas e mais a redação. De acordo com o Inep, não haverá diferenciação dos pesos entre as áreas, o que acontecerá é que a prova será estruturada segundo uma metodologia na qual as questões do Enem sejam distribuídas em graus diferenciados de complexidade. Ou seja, no cálculo final da nota em cada área, as questões mais difíceis valem mais do que as questões menos complexas. Logo, haverá casos em que o total de acertos será parecido entre dois ou mais concorrentes, mas as notas serão diferentes, conforme o valor da questão que marcaram.
Para Mônica Conde paira, porém, uma dúvida acerca quem vai informar ao candidato se ele pode ou não prosseguir na seleção da UFRJ. O Inep vai liberar os resultados das provas objetivas no dia 4 dezembro. Segundo ela, “o candidato vai autorizar a universidade a buscar a nota dele no Enem. Porém, nós não temos certeza se ele saberá a nota conosco, ou com o Inep, para prosseguir na segunda fase. Isso nos preocupa. Ele terá o gabarito e vai conferir quantas questões acertou, mas não saberá o somatório das quatro notas. Esperamos que o Inep nos libere as notas para que possamos evitar polêmicas por parte de candidatos que se sentirem injustiçados”.