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Trajeto do TAV é “ataque à autonomia universitária”

Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) não consultou a UFRJ sobre o traçado do TAV, que passaria por dentro da Cidade Universitária.

A passagem do Trem de Alta Velocidade (TAV) por dentro da Cidade Universitária da UFRJ, prevista na consulta pública em aberto pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), motivou uma moção de repúdio do Conselho Universitário (Consuni).

O documento foi apresentado pelo conselheiro Carlos Vainer, destacando que o imaginado traçado do TAV se choca com as propostas, em discussão na comunidade acadêmica, do Plano Diretor (PD) UFRJ 2020. “Não houve nenhuma comunicação à universidade sobre este fato. No mínimo, a ANTT deve dilatar o prazo de debate, previsto para se encerrar no próximo dia 17. Até porque nós temos outras ideias para integrar o campus ao sistema de transporte da cidade”, criticou o professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional (Ippur).

O reitor Aloisio Teixeira considerou “inaceitável” a atitude da ANTT e avisou que encaminhará a moção aos governos federal, estadual, municipal, além de publicá-la na imprensa. “Trata-se de um ataque à autonomia universitária”, classificou o reitor.

Leia na íntegra a moção:

"Foi com enorme surpresa que o Conselho Universitário da UFRJ tomou conhecimento da existência de processo de Consulta Pública lançado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), com prazo de menos de um mês – de 24 de julho a 17 de agosto de 2009 – “com o objetivo de divulgar a documentação pertinente e colher sugestões sobre o projeto de implantação do Trem de Alta Velocidade – TAV, para o transporte de passageiros entre as cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas.” (ANTT, Aviso de Consulta Pública, 002/2009, http://www.antt.gov.br/acpublicas/CPublica2009-02/CPublica2009_02.asp em 06/08/2009).

Surpreende que projeto de tal magnitude, com custos elevadíssimos da ordem de R$ 35 bilhões, com enormes impactos sobre o conjunto das áreas direta e indiretamente afetadas, tanto do ponto de vista ambiental, quanto econômico e social, seja colocado em discussão quase à sorrelfa, com informações absolutamente insuficientes, sem que instituições, grupos sociais, comunidades e demais agentes públicos e privados interessados tenham possibilidade de tomar adequado conhecimento da questão, avaliar os custos e benefícios e participar, de forma realmente informada, como supõe o processo democrático, de discussão acerca de projeto de tal magnitude.

Ainda mais supreendente, para este Conselho Universitário, é saber, através de documentação absolutamente precária, e de natureza antes ilustrativa que efetivamente técnica, que o traçado pretendido do TAV atravessa a Cidade Universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro, território onde se exerce a autonomia universitária assegurada pela Constituição Federal (Art. 207). Tal fato ganha maior gravidade quando se considera que é de conhecimento público que a UFRJ está elaborando seu Plano Diretor UFRJ 2020, com um ambicioso plano de desenvolvimento da Cidade Universitária, que enfatiza sua integração com a cidade do Rio de Janeiro e a necessidade de uma ampliação expressiva das redes de transporte público a serviço de uma população estimada, para o ano 2020, em mais de 120.000 pessoas (aí contempladas a população estritamente universitária, os usuários de serviços da UFRJ – hospitais e outros – e o pessoal das várias empresas e centros de pesquisa já instalados e que se virão instalar na Cidade Universitária).

Nos últimos meses, a UFRJ, através dos mais variados meios, tem levado à sociedade e às autoridades governamentais – federais, estaduais e municipais – informações acerca de seu Plano Diretor UFRJ 2020. Através de reportagens e artigos assinados publicados  na imprensa, através do Conselho Participativo do Plano Diretor UFRJ 2020, no qual estão presentes representações governamentais e da sociedade civil, a UFRJ tem buscado envolver múltiplas instituições e setores sociais no processo de elaboração de seu Plano. Através de uma série de contatos e, mesmo, grupos de trabalho, a UFRJ também tem levado às autoridades governamentais suas necessidades e propostas, inclusive na área de transporte público, baseadas no debate público e competência técnico-científica de seu corpo de professores-pesquisadores, nacional e internacionalmente reconhecida. A UFRJ, por todos os meios, tem reafirmado seu compromisso em integrar a vida universitária à cidade e a cidade à vida universitária, oferecendo equipamentos de uso coletivo na área da cultura, esporte, lazer.

Em nenhuma reunião do Conselho Participativo do Plano Diretor UFRJ 2020, em nenhuma das Oficinas Temáticas do Plano à qual têm comparecido representantes governamentais, em nenhuma das reuniões realizadas com autoridades governamentais, foi esta Universidade consultada, ou sequer informada, acerca de um projeto que parece pretender, de maneira absolutamente inaceitável, sem qualquer consulta prévia, atravessar a Cidade Universitária e comprometer irremediavelmente nossas atividades-fins, nosso Plano Diretor e nossas perspectivas de integração Universidade-Cidade.

Em vista do exposto, e

Considerando

– a autonomia universitária constitucionalmente garantida, expressão contemporânea da tradição que, desde os primórdios medievais da instituição universitária, inclui o autogoverno na definição da ocupação, uso e acesso ao território universitário;

– que o Plano de Reestruturação e Expansão, aprovado pelo Consuni (Resolução CONSUNI 09/2007, de 25/10/2007), reconhecido e aprovado também pelo Ministério da Educação, assim como as Diretrizes do Plano Diretor (Resolução Consuni 10/2008, de de 1/09/2008) afirmaram o princípio da integridade e inalienabilidade do patrimônio fundiário da Universidade;

– que, ademais, o Edital faz tábula rasa da ciência e tecnologia nacionais, omitindo inteiramente qualquer requisito para associar o projeto ao desenvolvimento científico e tecnológico nacional, reiterando uma opção pelo sub-desenvolvimento neste campo, ao contrário do que tem acontecido nos países que tem adotado o TAV;

– que, também ao contrário do que aconteceu em países que adotaram o TAV, não há qualquer preocupação em integrar o projeto aos planos diretores e de desenvolvimento dos estados e cidades envolvidas, de que é prova o fato de que este projeto jamais tenha sido objeto de discussão pública no estado do Rio de Janeiro ou em sua Região Metropolitana;

– que, sobretudo, o projeto colocado em Consulta Pública pela ANTT confronta de maneira aberta com os objetivos e a função social da Universidade Pública, bem como desconhece as Diretrizes do Plano Diretor UFRJ 2020, aprovadas pelo Conselho Universitário (Resolução No 10/2008, de 1/09/2008);

– que, finalmente, o patrimônio da Universidade Federal do Rio de Janeiro deve servir única e exclusivamente ao fim para o qual foi destinado, isto é, ao desenvolvimento do ensino, da pesquisa, da extensão universitária, visto nosso compromisso com o preservação, desenvolvimento e difusão das ciências, tecnologias, artes e cultura em suas múltiplas manifestações;

O Conselho Universitário, em sessão de 6 de agosto de 2009, decide manifestar, à sociedade em geral e às autoridades governamentais direta ou indiretamente envolvidas com o processo decisório referente ao Projeto do TAV:

– que a UFRJ repudia e questiona, com a mais absoluta convicção, os procedimentos autoritários, a ausência de informação qualificada e os prazos irrisórios inexplicavelmente característicos da Consulta Pública ANTT, 02/2009);
 
– que a UFRJ protesta veementemente contra a apresentação, para a consulta pública, de projeto que pretende utilizar como passagem a Cidade Universitária, terrenos de propriedade da UFRJ, como, também, e sobretudo, território no qual a UFRJ exerce sua plena autonomia constitucional, tanto mais que Universidade não foi consultada, e nem mesmo informada;

– que a UFRJ, no exercício de sua autonomia constitucional, na defesa de sua função social e de seu estatuto, não autorizará qualquer intervenção sobre o território da Cidade Universitária a sua revelia e em contradição com seus Planos de Desenvolvimento, em particular, com seu Plano Diretor UFRJ 2020, nos termos das Diretrizes aprovadas por este Conselho Universitário."