Uma pesquisa desenvolvida pela Universidade de Miami contou com a colaboração de Daniel Pereira Reynaldo, doutorando do Instituto de Bioquímica da UFRJ, para estudar novas descobertas com relação ao desenvolvimento das cardiomiopatias (doenças do músculo cardíaco). A pesquisa, comandada pelo professor James Potter e da qual também faz parte o doutor José Renato Pinto, que foi aluno de mestrado e doutorado da UFRJ, começou há três anos e trouxe novidades no entendimento das cardiomiopatias de fundo genético.
– As cardiomiopatias podem ter diversas causas, incluindo até mesmo infecções virais, mas existe grande importância da causa genética -, explica Daniel. A causa genética está associada principalmente a mutações em proteínas do músculo contrátil (músculo cardíaco), que podem levar o indivíduo a desenvolver a cardiomiopatia (não acontece em 100% dos casos).
Para que ocorra a contração do músculo cardíaco de maneira geral são necessárias seis proteínas. Dessas já haviam sido identificadas mutações em cinco, que levavam o indivíduo a manifestar cardiomiopatia. “Quando se tinha a doença, utilizava-se um kit de identificação de mutação dessas cinco proteínas para se identificar uma possível causa genética. Mas até hoje ainda não havia sido descrita nenhuma mutação nessa sexta proteína, chamada troponina C”, conta o doutorando.
A proteína em questão é responsável por regular o músculo. Para iniciar o processo de contração muscular, o impulso nervoso que leva o estímulo até o músculo provoca a liberação de cálcio que está armazenado dentro de um retículo. Quando este sai dessa vesícula, liga-se justamente à troponina C. “O processo dispara a contração muscular e aquelas outras cinco proteínas se reorganizam para que a contração possa ocorrer. Por isso é que a troponina C é quem regula o músculo. Até então não havia sido descrita nenhuma mutação nessa proteína. O porquê de uma proteína tão importante nunca ter sido incluída nos kits, ironicamente, se deve ao fato de que se acreditava que uma mutação nessa proteína seria tão importante que o indivíduo nem sequer nasceria”, aponta.
A pesquisa
Segundo o especialista, a troponina C nunca havia sido investigada, mas suspeitava-se de que pudesse ter alguma mutação. Os pesquisadores então reuniram 1.025 pacientes do Hospital Mayo Clinic (colaboração com a Universidade de Miami) sabidamente com cardiomiopatia e resolveram investigar as mutações apresentadas por eles e estudar o DNA desses indivíduos para as seis proteínas. A descoberta foi que dos 1.025 pacientes quatro não apresentavam nenhuma mutação nas cinco proteínas, mas apresentavam mutação na troponina C. Os pesquisadores identificaram então as mutações e publicaram um artigo as descrevendo.
A segunda parte da pesquisa consistia em clonar e expressar a proteína com mutação, ou seja, reconstruir a proteína in vitro com as quatro mutações. “Era necessário estudar por que esses indivíduos manifestavam cardiomiopatia e entender o mecanismo da doença. A gente sabe que a troponina C é responsável por ligar e desligar o cálcio. Mas uma coisa é a proteína normal ligando e desligando uma quantidade de cálcio; outra é a proteína com mutação que liga o cálcio de maneira diferente. Ela altera a maneira como o cálcio se liga à proteína”, conta Daniel.
Através do contato de José Renato ocorreu a participação de Daniel no estudo. O mecanismo pelo qual o cálcio liga e desliga a proteína foi seu objeto de estudo. “Se o cálcio liga, mas fica mais tempo preso do que deveria, ou não liga com a rapidez necessária, o coração tenderia a desenvolver um mecanismo para compensar essa ligação errada do cálcio, como, por exemplo, aumentar a parede do coração, aumentar a quantidade de músculo (que é o caso da cardiomiopatia hipertrófica)”, constata o doutorando.
De acordo com ele, nesses três meses em que participou do estudo pôde perceber que em cardiomiopatias hipertróficas a quantidade de cálcio para disparar a contração é maior e na cardiomiopatia dilatada é menor. Durante esse tempo ele buscou entender dentro de cada cardiomiopatia o que acontece em cada caso.
Os próximos passos agora são incluir a troponina C nos kits de identificação das mutações e possivelmente desenvolver um tratamento mais específico para cada tipo de cardiomiopatia. “Uma vez que a gente sabe que a cardiomiopatia hipertrófica aumenta a quantidade de cálcio ligada e a dilatada diminui, não podemos dar a mesma droga para indivíduos que têm essas cardiomiopatias. Na próxima fase do estudo os pesquisadores buscarão descobrir um composto, ou até mais, que seja capaz de corrigir essa ligação errada do cálcio”, conclui Daniel.