Guiados pelos astros, os povos arcaicos de quase todo o planeta desenvolveram seus calendários, cultura e experiências religiosas. A observação do céu foi base de conhecimento para diversas sociedades pré-históricas, ou seja, sem escrita, e povos antigos. Babilônios, egípcios, maias, astecas e até mesmo indígenas brasileiros foram profundamente influenciados por fenômenos celestes. A ciência que estuda como esses povos antigos lidavam com a astronomia foi o tema da palestra “Arqueoastronomia: as raízes da astronomia”, apresentada na terça-feira, dia 30, por Rundsthen Nader, professor do Observatório do Valongo da UFRJ. O encontro faz parte do projeto “Astronomia para poetas” da Casa da Ciência.
A Arqueoastronomia é uma ciência recente que procura entender como os fenômenos astronômicos influenciavam o cotidiano dessas sociedades, a partir da análise dos vestígios deixados por elas, como ruínas de edificações, calendários, pinturas e mitologia. Os estudos nesta área tiveram início em 1891 com as pesquisas do astrônomo Joseph Norman Lockyer, fundador da revista britânica Nature. Lockyer observou que os templos da Grécia clássica e as pirâmides do antigo Egito haviam sido construídos a partir da orientação astronômica. No livro A Aurora da Astronomia, o pesquisador revela que as pirâmides estão propositalmente alinhadas com a constelação de Orion e posicionadas em direções específicas em relação ao nascer e ao pôr do Sol.
Em meados da década de 60, a Arqueoastronomia tornou-se mais popular devido às pesquisas do astrônomo Gerald Stanley Hawkins, que escreveu o livro Stonehenge Decodificado, no qual demonstra que essa construção de pedra, chamada megalítica, era usada por antigos habitantes da região onde hoje fica o Sul da Inglaterra como um observatório solar e lunar para a previsão de eclipses. Ele percebeu, por exemplo, que o eixo principal do monumento estava orientado na direção do nascer do Sol no solstício do verão, dia do ano em que esse astro fica no céu por mais tempo.
“Marcar o tempo foi o fator fundamental que levou o homem a observar o céu”, salientou Rundsthen. Segundo o pesquisador, os povos antigos teriam iniciado sua observação celeste em razão da necessidade de uma orientação temporal que, mais tarde, tornou-se espacial também. Esses povos se guiavam pelos fenômenos astronômicos para organizar suas atividades cotidianas e de sobrevivência, como a colheita e a construção de habitações, e desenvolver suas práticas religiosas. O homem pré-histórico percebeu que as atividades de pesca, caça, coleta e plantio obedecem a mudanças sazonais, como as estações do ano. Percebeu também que essas mudanças podiam ser previstas através de certos eventos observados no céu, como o ciclo da Lua e do Sol e a aparição de determinada estrela.
Rundsthen acredita que provavelmente o ciclo lunar foi o primeiro a ser percebido pelos povos antigos. Ainda hoje é possível ver a influência da Lua sobre esses povos através de seus calendários. Gregos, babilônios, sumérios, islâmicos e hebreus possuíam calendários lunares. O mês lunar possui 29,76 dias, se comparado ao nosso calendário atual, no qual o mês possui cerca de 30 dias. Assim, o calendário lunar teria cerca de 11 dias de defasagem ao final de um ano.
Para que essa conta ficasse mais correta, alguns povos antigos, como os egípcios, teriam adotado o calendário solar, o mesmo utilizado hoje em dia com 365 dias distribuídos em 12 meses de 30 dias. No caso egípcio, os cinco dias restantes eram adicionados ao final do ano para comemorar o aniversário dos deuses Osíris, Horus, Ísis, Neftis e Set.
Outros povos, como os maias e astecas, usavam ambos os calendários: o solar para a marcação do tempo profano e outro para o sagrado. Quando os calendários coincidiam, a cada 52 anos, esses povos promoviam rituais religiosos. No caso dos maias, segundo Rundsthen, nessa ocasião era realizado o ritual do fogo novo, no qual todos queimavam seus pertences com o intuito de recomeçar vida nova. “A astronomia antiga sempre está ligada à tentativa do homem de unir-se ao divino”, explicou o astrônomo.
Rundsthen citou diversas evidências de orientação astronômica em culturas antigas. Os incas, por exemplo, colocavam seus mortos em cavernas a Oeste, pois é nessa direção que o Sol se põe, se esconde, morre. A cidade de Cuzco é outro exemplo de construção guiada pelos astros. Suas ruas estão alinhadas para receber de modo preciso a luz dos equinócios e solstícios. Em Machu Picchu, antiga cidade inca localizada no Peru, toda a arquitetura tem correspondência com o posicionamento de constelações, do Sol e da Lua. No Brasil, também existem evidências: na Toca do Cosmos, na Bahia, há pinturas rupestres seculares que representam eventos astronômicos, como cometas, e até mesmo fenômenos que foram assistidos e documentados por outros povos do mesmo período, como a supernova do ano de 1054, registrada em textos chineses.
Essas indicações de orientação astronômicas pelos povos antigos inspiram pesquisas interdisciplinares em campos como a Matemática, História, Antropologia, Etnografia, Astronomia, Arqueologia e outros. Rundsthen salientou que as evidências em Arqueoastronomia estão sujeitas a diferentes interpretações, pois muitas vezes não há documentos escritos ou material suficiente dos povos analisados. No entanto, isso não faz com que a ciência seja menos confiável. A Etnoastronomia é umas das alternativas mais usadas nesses casos. Sem muitas evidências, o pesquisador se baseia em relatos e observações de povos semelhantes. “O que a Arqueoastronomia faz é uma astronomia cultural: olhar para a astronomia das antigas culturas por um viés interdisciplinar.”
No dia 7 julho, acontece a próxima palestra do projeto da Casa da Ciência com o tema “Por você vou roubar os anéis de Saturno… e as luas, e o ar…”, apresentado por Thaís Mothé-Diniz, pesquisadora do Observatório Nacional e professora do Observatório do Valongo. O encontro acontece às 18h30 na Casa da Ciência, localizada na av. Lauro Muller, 3, Botafogo.