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O retorno do mistério

 “Existe uma coisa dentro de nós que nos impele à autodestruição, pois no momento de maior segurança buscamos o nosso próprio naufrágio. Esse é o demônio da perversidade.” As palavras são do escritor, teatrólogo, poeta, compositor e roteirista Bráulio Tavares, que analisou na última quinta-feira, dia 04, no salão Moniz de Aragão, a obra do autor americano Edgar Alan Poe.

Tavares foi o responsável por decidir qual escritor encerraria a série de palestras organizadas pelo Circulando, iniciativa cultural fruto da parceria entre a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Nova Iguaçu e o Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC/UFRJ). A escolha por Alan Poe se deu por uma nova tendência editorial: o retorno do mistério, gênero em que se enquadrava o autor dos famosos contos “Gato negro” e “Escaravelho de ouro”.

– O sucesso de escritores como Dan Brown (Código Da Vinci, Anjos e Demônios) e Paulo Coelho (Brida, O Alquimista) mostra que o prazer da literatura não está mais nas respostas, mas nas perguntas. Hoje o mistério faz sucesso por trazer de volta o demônio da perversidade – explicou ele.

Para o palestrante, o ser humano tende a querer sentir a experiência do susto e do prazer ao mesmo tempo, sensações que podem ser alcançadas através de um livro ou de uma sessão de cinema. “Quem assiste a um filme deseja se apavorar na sala de projeção, mas se sentir seguro quando descobre não ser parte do enredo.” Ele lembra que nesses filmes o demônio de Poe está solto, pois os personagens realizam as fantasias do leitor, sem que ele se arrisque.

– Quando você está no alto de um prédio, a vertigem que sente não é o medo de altura, mas está na vontade de pular. Na literatura e no cinema, esses personagens estão sofrendo o que desejamos sofrer – analisou Tavares.

Para conseguir atingir o leitor de maneira completa, sem diluir as sensações de medo ou pavor, Poe foi pioneiro na estrutura de contos. Para ele, o texto deveria ser lido de forma ininterrupta, levando no máximo duas horas. Na época, isso foi visto como uma revolução, já que até então a literatura era escrita em forma de romance, acompanhando o estilo do século XVIII.

– Não é a mesma coisa assistir a um filme de horror na televisão, porque nos intervalos perde-se um pouco a emoção. Quando os programadores da TV a cabo perceberam que não deveria haver pausa para comerciais, eles estavam seguindo as ideias de um escritor do século XIX – exemplificou o palestrante.

Com estruturas simples, Poe se consagrou pela técnica do “punch line”.  Apenas na última linha, todos os mistérios são explicados, funcionando como um “soco no cérebro” do leitor. Efeito semelhante têm as anedotas – curtas e efetivas – sempre com final surpreendente.

– Um conto que deve ser escrito em quatro páginas não pode durar 40. Stephen King pode escrever brilhantemente, mas poderia ser mais sucinto – concluiu Tavares, criticando o escritor de O Iluminado e Carrie, a estranha.