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“O laboratório de Gramsci” em discussão

Nessa terça-feira, dia 5 de maio, a Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ recebeu Alvaro Bianchi, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), para a divulgação de seu livro O laboratório de Gramsci – Filosofia, História e Política, seguida de um debate sobre o tema com os professores Carlos Nelson Coutinho, da ESS, e Virgínia Fontes, da Universidade Federal Fluminense (UFF). No livro, Álvaro procura através de um trabalho de filologia da obra Cadernos do Cárcere, escrita por Gramsci na prisão, rever alguns conceitos do pensador italiano para estabelecer uma reflexão sobre filosofia, política e história no pensamento gramsciano.

A partir de um estudo minucioso dos cadernos e notas de Gramsci, Alvaro procura debater conceitos já muito difundidos que, segundo ele, fazem parte do vocabulário intelectual do Brasil, como, por exemplo, “hegemonia”, “bloco histórico”, “intelectual orgânico” e “sociedade civil”. O autor acredita que algumas dessas ideias ainda não são bem compreendidas e por isso partiu para uma escavação de conceitos nos Cadernos do Cárcere a partir do estudo das obras que o influenciaram. “É necessário rever esses autores, ver a maneira como Gramsci os compreende. Essa é uma exigência metodológica e um grande desafio, pois nós da América Latina não temos familiaridade alguma com diversos autores que são matéria-prima de Gramsci em seu laboratório”, conta Alvaro.

O autor se mostra insatisfeito com a apropriação do pensamento de Gramsci dominante no Brasil e acredita que aqui o pensador é lido como um caminho para sair do marxismo e chegar ao pensamento liberal de autores como Habermas. “Hoje Gramsci é tido como um precursor de Habermas, e eu acho muito estranho que a ideia gramsciana de sociedade civil seja aproximada da ideia habermasiana de sociedade civil”, exemplifica Alvaro.

Como exemplo de má interpretação de Gramsci, Alvaro cita os conceitos de sociedade civil e sociedade política. Segundo ele, pode haver dificuldade de compreensão desses conceitos devido à complexidade de significados no que Gramsci denomina Estado. Para o autor é grosseiro atribuir a Gramsci a interpretação habermasiana de que sociedade civil e sociedade política são antagônicas. Para ilustrar essa ideia ele cita a metáfora do centauro em que não é possível separar a metade homem da metade animal sem que o centauro deixe de existir. “Elas coexistem, onde há sociedade civil há sociedade política”, diz o autor.

Alvaro vai contra a corrente que defende que a coerção só existiria na sociedade política, em situações como a ditadura, e defende que na sociedade civil ela também existe. “No âmbito da sociedade civil podemos encontrar associações privadas que estão claramente associadas a impulsos totalitários. Sobre essa violência temos como exemplo as seitas criacionistas nos EUA, a falta de liberdade política devido à pressão econômica e o impulso político que concretizou o governo Bush.”

No entanto, o professor Carlos Coutinho discorda da posição de Alvaro e defende que a sociedade civil não é tão próxima da política quanto o autor faz parecer que seja, pois na civil há a possibilidade de não-adesão à hegemonia. “Em uma sociedade liberal democrática há a voluntariedade, o indivíduo pode ou não aderir aos aparelhos privados de hegemonia, o que não acontece no estado. Não se pode deixar de pagar o imposto de renda, por exemplo, porque não se consente.”

Já Virgínia Fontes possui uma posição intermediária e argumenta que o que vem acontecendo é uma união da sociedade política com a civil para a coerção: “A tendência é o crescimento simultâneo das forças de coerção e violência estatais e privadas com o apoio do Estado.” A estudiosa acredita que esse movimento acontece em meio à aparente democracia eleitoral movida a consenso que impera atualmente.

— A revolução tem que ser feita com cabeça, tripa e coração. Não pode se esgotar em um horizonte intelectual ou em uma mirada afetiva — diz Virgínia, que propõe a análise sobre o momento atual, além da leitura de Gramsci.

Em resposta, Alvaro insiste na importância da compreensão dos conceitos
gramscianos e conclui: “Creio que é possível mais um retorno a Gramsci e que para tal nós precisamos aperfeiçoar nossos métodos. Um cuidado com a construção dos conceitos pode trazer nova luz que ainda não foi dada. Uma luz que, a meu ver, é a luz dos próprios cadernos de Gramsci.”