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Intercom discute educação e cultura digital

 Teve início na quinta-feira, dia 7, na Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ, o Intercom Sudeste 2009, evento direcionado aos estudantes, profissionais e professores da área de comunicação que promove debates e o contato com a produção acadêmica do campo. Esta edição do congresso regional bateu o recorde de inscritos e conseguiu reunir uma quantidade expressiva de trabalhos, sendo 420 só de alunos da UFRJ. A palestra de abertura, intitulada “Comunicação, cultura e educação na era digital”, foi dada por Muniz Sodré, professor da ECO. Também participaram como debatedoras Marialva Barbosa, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e representante do Intercom Nacional, e Ivana Bentes, diretora da ECO.

Muniz Sodré abordou a relação entre educação e novas tecnologias com ênfase na diversidade ético-cultural promovida pela globalização e focada também nos aspectos técnicos que provocam mudanças no conceito sobre comunicação. Segundo o professor, o atual sistema escolar de ensino, baseado na idealização do modelo grego de civilização, está sofrendo uma crise espacial devido à euforia dos novos meios de comunicação, como a internet. Muniz acredita que este momento de transformação exige uma nova forma de escolarização, na qual o professor deixaria de ser o indivíduo que transmite o conhecimento para ser o agente incitador de novas linguagens e da construção do saber.

— É preciso revisar a identidade do professor, sujeito suposto do conhecimento, pois os computadores sabem muito mais e concentram muito mais informações que ele — afirma Muniz, que percebe importantes mudanças na ideia tradicional de sistema educacional, como a não-limitação do saber ao espaço da escola. Segundo ele, a escola não é mais um lugar, mas uma forma de encontrar conhecimento.

A internet teria forte papel nesta transformação: “A tecnologia digital é o que mais ataca a metafísica e torna a escolarização cada vez mais diversa de lugar e transgressional, pois pode se realizar em qualquer época e idade.” Porém, o professor alerta para o entusiasmo com a tecnologia e acredita que o contato irrefletido com a internet pode trazer alguns problemas, principalmente se for usada como fonte primária de informação. Muniz acredita que a internet oferece uma visão simplista dos fatos, sem precisão historiográfica e que, ao mesmo tempo em que permite o aumento do processo de desenvolvimento cultural, banaliza os acontecimentos e provoca a perda de dimensão histórica. “O contato com as novas tecnologias pode ser apenas uma euforia desvairada. Em certo sentido é uma drogadicção”.

Muniz se mostra crítico em relação à educação atual e argumenta que ela é totalmente regida pela lógica liberal. Por esse motivo, a educação mais se aproxima de um serviço. “Educação não significa um colégio privado que tire primeiro lugar no Enem formando pessoas que passem no vestibular. Isso pode ser justamente o fim da educação”, observa o professor. Segundo ele, a educação de hoje é orientada para a “produção de um capital humano empresarial”, os alunos são vistos como clientes da escola e o conhecimento funciona como elemento que difere a classe social do indivíduo.

Durante sua palestra, Muniz deixou clara a sua visão de que a escolaridade é uma forma cultural que apresenta variações de acordo com os valores da sociedade: “Os elementos constitutivos da escola vivem e morrem de acordo com a cultura em que se instalam”, explica. A escola herdaria as regras das instituições hegemônicas. Como exemplo, Muniz citou o modelo moderno de escola que se baseava, segundo ele, na Igreja, onde o professor era uma espécie de padre que passa seu sermão, e na prisão, que é análoga às salas de aula.

Com a globalização e o crescimento da internet teríamos nos tornado o que Muniz chamou de “sociedade instrutiva”, onde estaríamos sendo ensinados permanentemente. Hoje o livro perdeu a sua centralidade simbólica, e a escrita e a leitura teriam assumido novas formas mais plurais e heterogêneas. Para uma melhor relação entre tecnologia e educação, Muniz aponta como alternativas o diálogo entre as culturas e o fim do monopólio da ciência como única verdade. Segundo ele, tanto ciência quanto os saberes populares são verdadeiros e por isso devem possuir a mesma validade. Muniz acredita que a globalização do processo de educação pede uma ancoragem comunitária.

— Não se trata de categorizar a cultura do outro, mas de promover a interface da tradição com o mundo moderno, levando em consideração qualquer grupo humano, do letrado ao analfabeto — explica o professor. A configuração atual pediria uma escrita e uma leitura culturalmente solidárias pela inserção dos excluídos e pela legitimização de suas formas de saber. A tecnologia, complementa o professor, poderia ser usada em prol da educação e da pluralidade: “A internet vai ajudar a tirar o desconto da colonização para introduzir o discurso da colorização”.