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Softwares livres: novo modelo de produção do conhecimento

O Pontão de Cultura Digital da Escola de Comunicação da UFRJ (ECO) recebeu Eurico Zimbres, professor da Faculdade de Geologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pioneiro no debate sobre software livre no Brasil, para a palestra “Software e Conhecimentos Livres”, na quinta, 28 de maio, no Centro de Produção Multimídia da ECO. O professor abordou o conceito de software livre e as mudanças provocadas na forma de produção e troca de conhecimento. Segundo Zimbres, o crescimento de formas de produção colaborativa, seja na informática ou em qualquer outra área do conhecimento, constitui um novo modelo de organização mundial que se reflete em todas as relações em sociedade.

O software livre é todo programa de computador que pode ser usado, copiado, estudado, modificado e distribuído sem nenhuma restrição. Por essas características, ele se diferencia dos chamados softwares proprietários — como o Microsoft Windows —, que possuem licenças de uso mais restritas, não permitindo que o usuário os comercialize, modifique, distribua ou copie sem permição de seus criadores. A única regra ligada aos softwares livres é a menção da autoria de cada modificação feita em sua estrutura.

Dentre os softwares livres mais conhecidos estão o Linux, sistema operacional que se tornou totalmente livre em 1992, e o Firefox, navegador de internet criado pela empresa de softwares livres Fundação Mozilla a partir da compra do código fonte (conjunto de instruções que regem um programa) do NetScape, software proprietário que não resitiu à concorrência com o Internet Explorer da Microsoft.

Segundo Zimbres, o surgimento dos softwares livres muitas vezes não se dá pela vontade de criação, mas pela necessidade de criar alternativas “ao domínio hegemônico dos softwares proprietários”. Os defensores do software livre participam atualmente de diversos movimentos organizados, como a Free Software Foundation, e constituem forças políticas de enfrentamento do sistema de produção atual baseado em patentes. “Patentear é retirar da sociedade o que ela está produzindo. As patentes são camisas de forças que se colocam no conhecimento”, defendeu o professor, um dos criadores do Movimento pela Implantação do Software Livre na UERJ (Linuerj).

Zimbres acredita que existem muitas vantagens do software livre em relação ao proprietário, como o fato de ele promover a inclusão digital. Além disso, por ser uma produção colaborativa que está em constante transformação pelos usuários, apresentaria menos erros. “O software livre é mais seguro que o proprietário. Ele tem uma evolução mais competitiva e sólida. Já que todos podem mexer nele a todo tempo, a correção de bugs [erros] é mais rápida”, explicou o professor, contando que a prefeitura de uma das cidades mais ricas do mundo, Munique, na Alemanha, trocou o sistema de todos os seus computadores por Linux, em maio de 2003.

Outras vantagens dos softwares livres incluem: a possibilidade de usá-los como ferramenta de estudo e pesquisa, uma vez que qualquer pessoa pode examinar e alterar sua estrutura; a compatibilidade entre diferentes versões e o fato de gerar lucros financeiros e tecnológicos localmente. “O software pode ser produzido globalmente, mas se um cara do interior do Brasil cria a sua lan house com um software livre, ele começa a desenvolver seu negócio ali sem pagar nada a ninguém”, exemplificou Zimbres.

O professor vê aproximações entre o que chama de “Revolução Digital”, processo de digitalização de todo conhecimento iniciado com a popularização da internet nos anos 90, e a Revolução Industrial do  século XIX. Segundo ele, assim como a Revolução Industrial produzia bens materiais que geraram um florescimento da ciência, a Revolução Digital permite hoje o crescimento de máquinas de produção do conhecimento.

Porém, a visibilidade do conhecimento produzido é o diferencial da Revolução Digital. “Com a internet, há a possibilidade infinita de distribuição livre. Toda a indústria do conhecimento, tal como existia antes da digitalização, está desmoronando. Elas têm que se inserir na nova realidade se quiserem continuar”, disse Zimbres, referindo-se às gravadoras, editoras, empresas de software e até mesmo  universidades.

Zimbres acredita que a Revolução Digital corresponderia a um novo modelo de organização e produção de conhecimento diferente do sistema capitalista. A tendência seria o fim das barreiras, sejam elas nacionais ou das patentes de software. Nesse contexto, a produção de conhecimento seria coletiva e, por isso, Zimbres teme que a universidade esteja fadada ao fim caso não se adapte aos novos tempos. “O grande receio da universidade é a perda do monopólio do saber. Se a gente não discutir a universalização dos conhecimentos, vai entrar em falência. Não há mais como manter esse modelo”, salientou o professor da UERJ.