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Clarice: a modernista que assustou a crítica

No dia 10 de dezembro de 1920, o casal ucraniano Pinkouss e Mania seria agraciado pelo nascimento de sua terceira filha: uma garotinha chamada Haia. Mas a situação delicada em que viviam não permitiria festejar nem mesmo um nascimento.  A família judia vinha sofrendo perseguição religiosa e sabia que precisava deixar o país o mais rápido o possível. Então, em 1922, todos os cinco Lispector embarcaram no navio “Cuyaba” com destino ao Brasil. E assim que aportaram, ainda com medo, o senhor Pinkouss decidiu que o melhor seria que todos mudassem seus nomes. Ele mesmo passou a se chamar Pedro. A caçula Haia agora seria Clarice. Clarice Lispector.

Para falar sobre a pequena ucraniana que se transformou em grande personalidade da literatura brasileira, foi convidado o apaixonado pelo tema Nonato Gurgel. Os vários ângulos da escritora modernista foi o assunto abordado pelo doutor em Literatura comparada na ultima quinta-feira (21/05) no Auditório Moniz de Aragão, localizado no Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ.

Gurgel exibiu trechos de documentário, indicou livros e músicas para a platéia formada por participantes do projeto “Colisões”, uma iniciativa cultural resultado da parceria entre a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Nova Iguaçu e o Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ.

Clarice: vida e obra

Nonato classifica a obra de Clarice Lispector como um espaço para as sensações, não para a seqüência de acontecimentos, que é comum à literatura. A escritora segue um tom introspectivo, influenciado pelos filósofos Freud e Nietzche, e lança o leitor à mesma busca de si que ela faz ao escrever:

-A ficção de Clarice tem um tom filosófico. Ela não está preocupada em narrar fatos; mas sim, a repercussão deles na existência do indivíduo. As histórias são muito simples, não apresentam nada de mirabolante – define Gurgel.

Simplicidade que por muitas vezes une o grotesco ao divino. Como acontece em “Perdoando Deus” quando a personagem dialoga com um rato morto, no calçadão, enquanto está conectada ao Todo poderoso. Essas características fazem de Clarice um marco na literatura nacional, principalmente por se diferenciar do perfil das escritoras no país.

Imersa em um meio “branco, heterossexual e oligárquico”, como definiu o palestrante, ela causa estranhamento principalmente por se afastar da imagem já atribuída à mulher, caracterizada pelos plácidos textos de Cecília Meireles, até então a mais conhecida mulher que se dedicava a escrever.  Com seu primeiro livro lançado em 1943, “Perto do coração selvagem”, ela já mostra seu estilo.

-A Clarice já chega com sangue e corpo. Logo no primeiro livro, a crítica fica desnorteada, sem saber o que fazer com aquela jovem. Ela iria morrer sem ter tido o reconhecimento merecido – analisa a reação da época o palestrante.

Os gêneros de Clarice

Difícil de ser enquadrada em apenas um gênero literário, Clarice caminha por quase todos. Escreve romances, cartas, entrevistas e contos. Exceto por poemas, gênero no qual nunca se expressou, ela se caracteriza por roubar trechos de suas próprias criações para colocar em outras. Não raro, são encontradas poesias no meio de seus romances.

Essa multiplicidade de gêneros é extremamente positiva para a música e para cinema, que acabam muitas vezes utilizando as obras dela como cenário. Nonato, apresentou como exemplo dessa relação a canção “Que o Deus Venha”, escrita por Cazuza, inspirada no romance “Água Viva”. A partir de um pequeno trecho do livro, o compositor monta os versos, que por si só já era poético.

Uma gravação de “Perdoando Deus” na voz da Araci Balabanian é também analisada pelo palestrante. O texto entoado com emoção pela atriz rompe com todas as bases psicológicas, lingüísticas e religiosas.

-É um texto de fruição, segundo Roland Barthes. Ele desconforta, faz com que o leitor questione suas bases históricas, culturais e psicológicas até seus valores – acrescenta Gurgel.

O livro “A hora da estrela” também foi analisado por Nonato. A novela de 13 títulos que virou o filme de Suzana Amaral em 1985 é um retrato bem próximo do que viveria e acreditaria a pequena ucraniana que largou o seu país fugindo de uma perseguição religiosa. Macabéa é a mulher, nordestina e pobre. É como Clarice, uma minoria.

Colisões

Os blogs abaixo foram elaborados pelos participantes do projeto:
www.colidindo.blogspot.com       www.dapalavraaimagem.com