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Memória

O esquecimento da Poética

 Teve início hoje, 4 de maio, e se estende até o dia 8, a “Feira Poética”, evento promovido pelo curso de dança da Escola de Educação Física e Desportos em parceria com a Faculdade de Letras (FL) e que tem por objetivo divulgar e integrar em um só espaço diferentes manifestações artísticas, como a dança, a literatura, a música e as artes plásticas.  A primeira palestra da feira, “O que é isto poética?”, foi proferida por Manoel Antônio de Castro, professor titular da FL, que se propôs a explicar o que é a Poética a partir de um rápido olhar historiográfico sobre o tema. Segundo Manoel, a Poética está hoje esquecida e qualquer tentativa de ensino sobre ela é reduzida à técnica.

A Poética foi tratada pela primeira vez no século IV a.C., em obra do filósofo Aristóteles sobre o estudo da tragédia, gênero grego da poesia dramática. Na maioria das escolas de arte e literatura, a Poética é entendida com um conjunto de técnicas para a realização da obra de arte perfeita, porém, para Manoel, esta é uma visão errônea e o verdadeiro significado da poética está esquecido. O professor conta que o equívoco surgiu quando se traduziu a obra de Aristóteles para o latim. Neste momento palavras foram mal escolhidas e o que o filósofo chamava de técnica foi traduzido para arte causando confusão. “Hoje ninguém fala realmente em poética porque na tradução a arte poética virou arte técnica”, conta o professor, que acredita que a arte hoje está presa demais à técnica.

Segundo Manoel, a verdadeira Poética não pode ser ensinada, tem que ser vivida, percebida na obra de arte. A Poética não seria um conjunto de regras fixas a ser seguido, mas sim o fazer da obra de arte própria a cada um. “Poética é o agente que faz surgir algo novo onde antes não havia. Só se pode saber o que é Poética chocando o que já está dentro de você”, afirma o professor, comparando a Poética ao ato da galinha que choca um ovo ou da terra que choca uma semente que virará árvore.

A Poética estaria sendo mal compreendida hoje devido a um processo histórico que remete à antiga Grécia. Para Manoel, tudo começou quando os sofistas, mestres da retórica, deixaram de tratar a linguagem como arte e passaram a utilizá-la como um meio para a dominação política. Segundo o professor, a arte não é e nem tem que ser útil e ao se atribuir uma finalidade à arte ela se tornaria simplesmente técnica. Manoel crê que atualmente  as artes estão cada vez mais retóricas e entendidas como meio: “Hoje os meios de comunicação usam a linguagem para que nós viremos consumidores, de modo que não temos mais poética quando se trata de linguagem.”

Manoel acredita que o sistema de ensino atual só perpetua esta noção distorcida de arte e poética: “O que se ensina nas universidades e escolas é retórica sofística e gramática. Há um total esquecimento do que é Poética.” Segundo ele, as noções de poética e estética como são entendidas hoje, como conceitos de classificação, “são a morte da arte”. Manoel defende que a técnica deve ser encarada apenas como uma brincadeira e não deve ser tomada como mais importante que a arte em si, e conclui: “O desafio é sairmos da tragédia retórica sofística e passarmos a ser a Poética.”