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Bioética na medicina

A disciplina de graduação da Faculdade de Medicina, Bioética, estruturada em forma de conferências apresentadas por profissionais da área, foi ministrada nessa quarta-feira (18/3), por Sergio Rego, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, que abordou o tema Métodos para análise ética na clínica, no qual discutiu as melhores formas de tomar decisões éticas na prática médica.

— A questão principal da bioética é descobrir os problemas morais relacionados a determinado caso clínico — afirmou Rego. A capacidade do médico de encontrar bons argumentos que fundamentem suas decisões, ou seja, coerentes com a posição ética defendida, também seria, segundo o pesquisador, outro elemento fundamental no dia-a-dia da profissão.

Sergio afirmou que a medicina necessariamente demanda decisões morais e citou o campo da saúde pública, em que muitas vezes a escolha de uma ação gera um conflito entre o benefício de um indivíduo e o benefício de uma coletividade, entre a liberdade individual e as obrigações públicas. Como exemplo, o pesquisador mencionou um caso recente em que uma família de São Paulo, que se negava a vacinar seus filhos por esse ato ir contra seus princípios, iniciou um pequeno surto de sarampo. “Essas pessoas devem ter o direito de tomar essa decisão? Essa não é uma questão apenas de lei, mas uma questão ética suscetível de reflexão”, ponderou o palestrante.

A busca pelo que é ético foi ressaltada como algo imprescindível a qualquer estudante ou profissional de saúde, e outro caso que, segundo Sergio, merece reflexão é o do transplante de órgãos. Como existe mais demanda de órgãos do que doadores, foi implantada no Brasil a fila de transplantes, que seria a decisão mais justa. Porém, o pesquisador defendeu a idéia de que essa escolha pela fila não é realmente justa, pois o acesso ao sistema de saúde é dificultado para os mais pobres que, deste modo, acabam ficando para trás. “Neste caso o médico tem que buscar critérios que não privilegiem a condição social, política ou econômica do paciente”, disse Sergio.

Outro critério muito utilizado e defendido entre os médicos para decidir quem deve receber o transplante primeiro é levar em conta a gravidade da doença. Seguindo o raciocínio de que o paciente mais debilitado deve ser priorizado, criou-se o índice Meld, utilizado no Brasil. Medido a partir de exames de sangue, ele estabelece graus de gravidade entre os pacientes na fila de espera. Se uma pessoa que esteja em décimo lugar, por exemplo, tiver mais pontos no índice Meld que os que estão à sua frente, pode saltar para as primeiras posições. Sergio também criticou este sistema: “Esta não é necessariamente uma decisão justa, pois eu posso estar privilegiando uma pessoa que, por estar em estado mais grave, não tem chances de se recuperar da cirurgia. Assim, outros com maior capacidade de recuperação são prejudicados.” O pesquisador ainda ressaltou que pesquisas revelam que as taxas de sobrevivência com a utilização do Meld não são maiores que nas filas onde ele não é aplicado.

Sergio demonstrou que sempre se deve questionar as decisões que aparentemente são éticas e deixou clara sua opinião sobre a decisões clínicas baseadas apenas na técnica e em manuais. “A relação entre teoria clínica e bioética não é mecânica. Você pode ser um bom médico sem ter conhecimento de bioética, mas quanto mais conhecimento você tiver, mais preparado você vai estar”, disse o pesquisador, criticando os profissionais que agem somente repetindo as ações mais comuns no meio.

Segundo o palestrante, a ética deve guiar todas as decisões do médico, que não precisa se preocupar se será processado ao realizar determinado procedimento ou se tal procedimento é ilegal. Como exemplo, Sergio citou a prática comum entre os médicos de optar pela não-reanimação de um paciente. Mesmo sendo ilegal, ela é realizada quando o profissional julga apropriado.  “A ética não pode se subordinar ao jurídico. O raciocínio ético é capaz de modificar o que está na lei”, concluiu.