Pode ser de Marte um dos mais novos objetos de estudo da UFRJ. No Laboratório Nacional de Luz Síncroton, no Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCFF), o doutorando Ivan Lima trabalha para comprovar a hipótese da existência, atual ou anterior, de formas de vida em outros planetas. Para isso, ele analisa, desde 2006, a instigante bactéria Deinococcus radiodurans que, de acordo com as evidências encontradas por Ivan e sua orientadora, Cláudia Lage, é um organismo que pode ter origem no planeta vermelho.
De acordo com os pesquisadores, o primeiro passo do estudo foi submeter a bactéria a condições extremas, semelhantes às encontradas no espaço sideral. “O ponto de partida dessa idéia foi colocar a radiodurans em um ambiente que simulasse condições hostis: completamente seca, no vácuo e sofrendo radiação. A bactéria sobreviveu durante 17 horas. Uma pequena parte da população morreu e o resto conseguiu sobreviver”, relata a orientadora.
Radiodurans na queda
A bactéria foi descrita há mais de 50 anos e já era conhecida por sua resistência acima da média. A descoberta ocorreu quando um grupo de pesquisa norte-americano tentou esterilizar frutas, por meio de radiação. Para a surpresa de A. W. Anderson, responsável pela primeira descrição do organismo, mesmo após ser submetida a altas doses de radiação gama, uma colônia persistia sobre a superfície das frutas. Em 1956, o mundo conheceu a radiodurans e, junto com ela, o conceito de extremofilia, isto é, a facilidade de se adaptar a ambientes muito hostis.
Essa característica move as esperanças de Ivan Lima. Poeira cósmica cai todo momento sobre a Terra e uma bactéria com características de resistência tão fortes poderia ter feito o trajeto no passado e se instalado no planeta. “Essa é mais uma evidência que vem a somar o que já tem sido apresentado na literatura, favorecendo a hipótese da panspermia, segundo a qual, a vida teria se originado em nosso planeta através de organismos vindos de outras partes do Universo”, destaca Ivan.
Para Cláudia Lage, o argumento ganha força quando a situação é analisada sob a ótica da evolução das espécies. De acordo com a análise da bióloga, é muito provável que a radiodurans não tenha se desenvolvido por aqui. “Imaginamos que os seres vivos que compõem a Terra hoje foram gerados num processo de evolução. Não houve, contudo, radiação na Terra, nem ausência de umidade. Não se encontraram, portanto, fatores que justificassem a existência desse organismo na Terra”, explica a professora.
Os pesquisadores lembram que o estudo é pioneiro. De acordo com a orientadora, nenhuma outra pesquisa se deteve a analisar o que poderia ocorrer nessa provável viagem. “Já se fala sobre a possibilidade de bactérias se formarem em outros lugares do Universo e de surgirem aqui. O meio desse caminho, contudo, nunca foi estudado, e essa é a tese do Ivan”, ressalta Cláudia.
Parcerias com astrônomos
Os próximos passos do trabalho contarão com parcerias consideradas importantes por Ivan e Cláudia. A idéia é inserir o projeto nos estudos em Astronomia. Para isso, o grupo se associou a engenheiros da Universidade de São Paulo (USP), que serão responsáveis por construir modelos de simulação mais semelhantes às condições espaciais. A câmara construída poderá simular situações de vácuo ou atmosfera fraca, além de ambientes de baixa pressão e temperaturas muito frias.
Destaque também para a parceria com o projeto Convection Rotation and planetary Transits (o Corot), conhecido pelo surpreendente sucesso na missão de encontrar planetas rochosos que orbitam estrelas diferentes do Sol. Com o auxílio do poderoso telescópio, o grupo poderá coletar mais dados sobre outros ambientes. “Vamos realizar um exercício teórico, em que tentaremos coletar os dados dos planetas rochosos que tenham uma massa sólida e fazer a inferência de dados de temperatura, composição química, iluminação e fotoperíodo, para tentar imaginar que organismos extremófilos poderiam habitar planetas como esse”, explica Cláudia Lage.