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Especialistas fazem balanço em seminário sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos

 Em comemoração aos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em 10 de dezembro de 1948, o Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP) da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ realizou nesta terça, dia 11, a mesa redonda Declaração Universal dos Direitos Humanos. Participaram do evento Carolina de Campos Melo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Lília Pougy, coordenadora de Integração Acadêmica de Pós-graduação e vice-decana do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH/UFRJ), e Salete Maccalóz, juíza e professora da Faculdade de Direito do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/ UFRJ). Sob a mediação da diretora do NEPP, Mariléa Venâncio Porfírio, as especialistas discutiram a atualidade deste documento, seus aspectos positivos e negativos e sua repercussão na sociedade.

— O texto da Declaração de 1948 é extremamente generoso, passou por modificações e hoje passa por um processo de concretude — disse Carolina.

Um dos mais importantes documentos elaborados pela Organização das Nações Unidas (ONU), a Declaração é adotada por 48 países, incluindo o Brasil, estabelecendo que todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, dentre outros princípios.

Segundo Carolina, a Declaração se mantém atual e um exemplo disso seria a intenção do presidente recém-eleito dos EUA, Barack Obama, de fechar a prisão da base militar americana de Guantanamo, alvo de duras críticas da comunidade internacional por violação dos direitos humanos. Nesta base militar, prisioneiros seriam mantidos sem acusação formada e sem direito a julgamento.

Após a Segunda Guerra Mundial e a assinatura da Declaração, foram instituídos dois grandes sistemas para a proteção dos direitos humanos: o Sistema Global, ligado a ONU, e os Sistemas Regionais, formados pelos sistemas menores Interamericano, Europeu e Africano. Cada sistema regional possui suas próprias diretrizes e documentos especiais criados a partir da adaptação local das diretrizes da Declaração Universal.

Carolina defendeu que estes sistemas regionais são de fundamental importância para a manutenção e ampliação dos direitos humanos. Comentou também que o Brasil adota a maior parte das convenções de seu sitema, o Interamericano, exceto a Convenção sobre desaparecimento forçado de pessoas, assinada em Belém do Pará em junho de 1994. Esta convenção não vigora no país devido aos desaparecimentos políticos ocorridos durante o regime militar.

Apesar disto, a especialista apontou que o Brasil possui participação ativa no sistema regional, sendo o responsável pela criação da Convenção Belém do Pará, para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, que deu origem à Lei Maria da Penha.

Apesar da participação ativa do país na criação de leis e políticas públicas, o Brasil foi pela primeira vez condenado, em 2006, pela Organização dos Estados Americanos (OEA) por violação dos direitos humanos. O Estado brasileiro foi responsabilizado pela morte do paciente de distúrbio mental Daniel Ximenes Lopes, vítima de maus-tratos em uma clínica psiquiátrica em Sobral, Ceará. Carolina disse ver esta condenação como algo positivo, pois o Brasil já vinha discutindo as suas falhas no tratamento psiquiátrico há décadas e este caso teria servido como ratificação do problema existente.

— O tema dos direitos humanos é muito importante e deve ser debatido em suas diferentes faces, sobretudo quanto aos seus mecanismos de jurisprudência — disse Lília Pougy, salientando que esses direitos são sempre resultado de uma luta coletiva.

Democracia social

Segundo ela, a transição da democracia liberal para a democracia social só acontecerá se a sociedade sentir a necessidade de lutar por novos direitos. “Os direitos dependem da ação de indivíduos unidos em uma coletividade a favor de uma mesma idéia”, afirmou.

Lília defendeu que o maior problema da democracia brasileira – a desigualdade e a falta de liberdade – é conseqüência do capitalismo. “A cidadania plena é incompatível com a sociedade de classes”, afirmou a professora, que vê na lógica do capital um constante obstáculo à afirmação dos direitos humanos.

A vice-decana do CFCH apontou que o Brasil já fez parte dos 12 países mais desiguais do mundo, ficando atrás do Panamá no ranking de países com maior disparidade na distribuição de renda. Porém, tem apresentado uma considerável diminuição do coeficiente Gini, usado para calcular a desigualdade: em 1981 este coeficiente chegava a 0,63 e, desde 2002, sofreu queda até atingir 0,50 hoje. “O Brasil apresenta pequenos avanços e se afasta dos países que lideram este ranking negativo. Um pouco disso se deve à política de erradicação e combate à pobreza do atual governo”.

Já Salete Maccalóz ressaltou que, apesar da comemoração dos 60 anos da Declaração, apenas em meados da década de 1960 os direitos universais começaram a ser debatidos e efetivados na prática em nível mundial. A juíza ressalta, no entanto, que muitos direitos ainda são desrespeitados, ilustrando, por exemplo, as diferenças de salário entre homens e mulheres. “A segregação econômica sexista não é uma violência simbólica e difusa. É uma violência real que causa sofrimento todo final de mês em que a mulher recebe R$ 200 a menos que seu colega de trabalho”, salientou.

— Acho absurdo elogiar a conquista de um direito, quando na verdade o direito já é da pessoa e não deveria ser conquistado. Só no regime capitalista se comemora a conquista de algo que já é seu — criticou Salete.

A juíza também criticou o papel da mídia na divulgação sobre o tema. Segundo ela, os meios de comunicação condicionam, através de programas de TV que instigam a competição, as pessoas a eliminarem seus adversários. Desse modo, segundo ela, naturaliza-se a idéia da eliminação de bandidos e indivíduos indesejáveis à sociedade.  “Vivemos em um grande jogo no qual somos atores permanentes. A mídia é executora de um projeto socioeconômico eliminatório”, observou a juíza e professora do IFCS.

Salete também compartilha as idéias de Lília e Carolina, segundo as quais o exercício da cidadania é fundamental para assegurar os direitos humanos. Porém, ela adota uma visão menos otimista sobre o tema, enxergando muitos empecilhos à plena cidadania. “A luta pelos direitos humanos é uma luta ideológica que vai seguir a passos lentos enquanto as representações forem favoráveis ao atual contexto. Os direitos humanos têm que ser uma conquista, pois jamais serão uma doação”, concluiu.