Auditório lotado, com professores e estudantes da UFRJ usando aparelhos de tradução simultânea. Foi nesse ambiente que Peter Burke, professor da Universidade de Cambridge, palestrou na manhã da última sexta-feira (03/10), no Salão Dourado, sobre o tema “Tensões e articulações entre Comunicação e História: a mídia como um objeto histórico”. A apresentação deu início às atividades do Seminário Internacional “Comunicação e História 1808-2008”, promovido pelo Programa de Pós-graduação da Escola de Comunicação (PPGCOM), que conta com o apoio do Programa Globo Universidade.
– A intenção do evento é de propiciar um espaço interdisciplinar para discutir a relação da comunicação com a História, e desenvolver metodologias que aproximem a História da Comunicação com a História da Cultura – ressaltou Micael Herschmann, professor da Escola de Comunicação (ECO), antes do discurso do convidado internacional. A outra integrante da mesa, Ana Paula Goulart Ribeiro, coordenadora do curso de Jornalismo da UFRJ, comentou um pouco sobre o trabalho de Peter Burke, além de citar grandes obras do historiador inglês, como “O que é História Cultural?”, “Fabricação do Rei: A construção da Imagem Pública de Luis XIV”, e “Uma História Social da Mídia”.
O objetivo principal da palestra foi apresentar a idéia de que as medias de comunicação não foram sendo esquecidoas ou ultrapassadas ao longo da História, mas que são coexistentes e constróem laços de interatividade entre elas. Para ilustrar isso, ele contou um caso no qual pesquisadores americanos estudaram o processo de construção das histórias da Ilíada e da Odisséia, procurando evidenciar o peso da oralidade, da tradição de se passar as estórias em diante, em suas formações.
– Esse sistema de comunicação oral, mesmo após a invenção da escrita, se manteve central em diversas instituições e grupos sociais. Por exemplo, temos a importância da recitação de histórias e passagens nas práticas do Islã. – afirmou Peter Burke. Outros exemplos citados pelo professor foram os púpetos, balcões de farmácia ou tavernas e cafés, nos quais a conversação é vital. Ao longo de 5 mil anos, a oralidade foi drasticamente modificada por três revoluções: a da escrita, a da imprensa e a elétrica.
Segundo Peter Burke, a escrita foi desenvolvida pela necessidade de se expandir e registar a memória de longos discursos, conversas e trocas comerciais. Ela surgiu de forma independente e diferenciada em diversas partes do mundo: na Babilônia, com seus símbolos coniformes; no Egito, por volta do ano 3000 a.C, através dos hieróglifos; na China, com os ideogramas; e no Império Maia, já por volta de 400 a.C, através dos pictogramas. “ Com esse novo media de comunicação, as capacidades de se transmitir tradições e de se comunicar por longas distâncias foram revolucionadas. Além disso, ela foi essencial para uma maior reflexão sobre os vários discursos da sociedade, para a afirmação das religiões e de sua autoridade, e para a legitimização do Estado através da burocracia e da ordem.” – comentou o pesquisador inglês, ressaltando assim os principais efeitos do surgimento da escrita.
A invenção da imprensa também marcou a História. Graças a ela, a comunicação de forma massiva e a expansão da leitura se tornaram possíveis. Intencionalmente, a imprensa estimulou a comercialização da comunicação, além de permitir a criação das esferas públicas, sejam ela seculares, religiosas, masculinas, femininas, entre outras, nas quais a oralidade também é relevante, o que de certa forma comprova novamente a interação entre medias. “Além disso, a leitura de jornais e livros para analfabetas também legitima essa relação.” – afirmou Peter Burke. Outras conseqüências da invenção desse sistema de comunicação foram a oficialização de determinadas línguas, o surgimento das comunidades imaginadas, a possibilidade da crítica pública aos governos, e a diversificação de interpretações dos textos sagrados, como é o caso do Protestantismo.
Porém, nenhuma das revoluções anteriores permitiu o surgimento de tantos meios de comunicação e causou tanto impacto como a elétrica. “Os telégrafos aumentaram a velocidade de transmissão da informação de forma espantosa. Já o cinema e o rádio colocaram a imagem e a oralidade de volta à cena principal da comunicação, isso sem comentarmos a sua importância política. Não podemos esquecer de citar a televisão, outro meio de comunicação marcante do século XX. Todos esses meios foram essenciais para a internacionalização do mundo e para o fortalecimento dos processos de nacionalização.” – ressaltou Peter Burke.
O pesquisador inglês também não deixou de comentar em sua palestra a Internet, que foi o principal tópico das perguntas dos convidados. “ Apesar de não podermos observar por completo as conseqüências desse media, devido ao seu pouco tempo de existência, já podemos notar a sua influência na globalização, no exercício da democracia, e na transmissão quase que instantânea de informações”.