No dia 2 de outubro, o Projeto Conexões de Saberes realizou mais uma tarde de debate do "Quintas de Diálogos". Dias antes das eleições, foram discutidas as "Diferentes Formas de Participação Política". A mesa-redonda contou com a presença do bolsista do Projeto, representantes do Movimento Estudantil e do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e o professor da Escola de Serviço Social da UFRJ, José Paulo Netto.
Se o assunto é participação política, precisamos antes de tudo entender como ela se dá desde a formação das primeiras cidades. O processo de democratização surgido nas pólis da Grécia Clássica, por mais que entendamos ‘democracia’ de forma oposta, era bastante restrito. A restrição dava-se por conta do direito de voto cedido apenas àqueles considerados cidadãos. Nossa visão hoje de cidadania é claramente mais aberta, mas naquela época na Grécia, ser um cidadão excluía a maior parte da população, pois estavam impedidos as mulheres, os escravos e os estrangeiros. Participar do destino da pólis era direito de poucos, somente dos cidadãos livres. "A noção de democracia grega, por mais que seja modelar e inspiradora, era de proprietários", diz o Professor.
A evolução da concessão do direito ao voto a analfabetos e mulheres, por exemplo, é obviamente um grande passo na efetivação da participação política. “Porém, é preciso verificarmos se essa participação está sendo encarada por muitos como um simples dever e não como direito verdadeiramente. A obrigatoriedade do voto pode ser um reflexo disso”. A crescente socialização da política, como acrescenta João Paulo Netto, é um ganho, mas não é o único instrumento de transformações sociais, desejo sólido da maioria dos cidadãos: "a extensão do voto é uma forma privilegiada de participação política, mas não é a única". Netto indica o que fazer além do voto: afiliação partidária, propostas de novos partidos, fundação de movimentos no próprio bairro, sindicalização, participação de centros acadêmicos e, em suma, criticar a sociedade e propor uma outra. Pois, "se você não participa nas microinstâncias, não haverá nunca democratização das macroinstâncias", enfatiza Netto.
Nossa sociedade é dita democrática, mas falar que precisamos de "democratização das macroinstâncias" está longe de ser uma contradição. A expressão está relacionada à socialização da participação política e da socialização do poder político: "a socialização da política não significa que aconteça o mesmo com o poder político. Socializá-lo é socializar a propriedade, democratizar os lucros. Para que cheguemos perto disso, é necessário tensionar ao máximo a participação política".
Representante do Movimento Estudantil, Luiz Carlos Batista falou sobre a participação política dos estudantes. Ele diz que há vinte, trinte anos atrás, a atuação da União Nacional do Estudantes (UNE), criada em 1937 no governo de Getúlio Vargas, "era impressionante a mobilização das pessoas, porque não acontecia só entre os estudantes, mas também entre trabalhadores. Prova do poder de influência sobre a sociedade como um todo. Se numa esquina havia algumas pessoas manifestando, após alguns minutos as ruas já estavam lotadas de manifestantes", diz Luiz Carlos. Se isso não mais acontece hoje, é sinal de que "a esquerda vive momentos difíceis", afirma Mardonio Barros, representante do MST. Procurando entender o papel dos atores sociais, ele diz em comparação ao MST – que hoje conta com dois milhões de pessoas organizadas – , poucos movimentos sociais apresentam respostas contundentes. Para Mardonio, a crítica não é suficiente: "Como a gente consegue se autodeterminar sem autodeterminar a ordem social? Não adianta só criticar o capital sem olhar para a gente. A saída não é negar a realidade: é criar novas soluções para não nos enquadrarmos nas convenções, devemos sair em busca de novos instrumentos de sociabilidade".
Diálogos entre a universidade e as comunidades populares
Flavio Alves de Macedo, morador da Comunidade da Maré no Rio de Janeiro, não havia tomado conhecimento sobre o que era universidade até observar sua irmã estudando envolta de livros: "Eu não sabia o que era universidade, tampouco que a UFRJ era pública". Indagou-a e a partir dali desenvolveu-se nele o interesse que faz dele hoje um porta-voz dentro da universidade.
Flavio passou para o curso de Educação Física da UFRJ e diz que por isso se sente um privilegiado, pois em sua comunidade a maioria não tem acesso ou nem mesmo conhece a existência do nível superior. Mas as maiores dificuldades enfrentadas pelo estudante não se restringem às formas de acesso à universidade. Ele é bastante enfático quando diz que é difícil manter-se no curso. Consciente e politizado, Flavio foi o dono do discurso mais aplaudido na tarde da quinta-feira. Hoje, o Projeto Conexões de Saberes faz parte das atuações políticas do estudante. Ele tornou-se bolsista do projeto e não esconde seu orgulho. A história dele pertence ao âmbito do Conexões de Saberes, cujo foco é "discutir o acesso e a permanência de estudantes de origem popular nas universidades, considerando e valorizando seus conhecimentos em suas trajetórias de vida", apresenta Flavio.
Criado pelo Observatório de Favelas e implantado pelo Ministério da Educação (MEC), o Conexões de Saberes oferece aos jovens universitários a possibilidade do desenvolvimento de produções de conhecimentos e, com isso, aplicá-los na intervenção em suas comunidades. Os estudantes participantes recebem apoio financeiro e também instrução necessária para que possam adquirir autonomia na avaliação de políticas públicas em regiões populares.