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Congresso combate os nós da História da Ciência

 Foi-se o tempo em que as ciências humanas, biológicas e exatas eram áreas estanques. O que se observa hoje é uma interdisciplinaridade crescente. Evidência desse processo é o 1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia, cuja abertura ocorreu na manhã do dia 22 de setembro no Auditório do Roxinho localizado no Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN/UFRJ).

A mesa de abertura foi composta por Aloísio Teixeira, reitor da UFRJ; Ângela Uller, pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa da UFRJ; Ângela Rocha, decana do CCMN, Walter Suemitsu, decano do Centro de Tecnologia (CT/UFRJ), Cássia Turci, Diretora do Instituto de Química (IQ/UFRJ), Luiz Pinguelli Rosa, diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE/UFRJ) e Carlos Alberto Filgueiras, presidente do congresso.

Durante a abertura, foi defendida a importância de se estudar a História da Ciência e as dificuldades enfrentadas por se tratar de um Programa de Pós-graduação interdisciplinar que envolve não apenas disciplinas de múltiplas áreas como também unidades e centros. “Esse é um acontecimento muito importante para a nossa Universidade. Dificuldades materiais e humanas não são as piores. O principal obstáculo é cultural. Há uma valorização pequena das iniciativas de caráter interdisciplinar e precisamos avançar mais na construção desse programa, inclusive para alunos de graduação. Se seguirmos nessa direção, consolidaremos não apenas o programa, mas o próprio conceito de universidade. Quanto mais ousado mais fácil será atender às demandas. O ser humano já realizou aventuras inenarráveis, mas nenhuma delas se compara ao conhecimento. E conhecer essa aventura é conhecer a história das ciências”, declarou o reitor da Universidade.

O Programa de Pós-graduação História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia (HCTE) envolve três unidades fundamentais: Instituto de Química (IQ/UFRJ), Instituto de Matemática (IM) e Coppe. O programa visa compreender a História das Ciências de forma ampla, incluindo para tal, análises historiográficas e epistemológicas das Ciências Naturais. Segundo informou Ângela Uller, há interesse por parte da universidade em trazer, para o curso, o Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH/UFRJ) e o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ).

De acordo com Carlos Alberto Filgueiras, a procura pelo curso tem crescido substancialmente, mas não há meios de absorver todos. “Apenas um quarto dos que se interessam são absorvidos. No entanto, temos tido um respaldo grande das Universidades e acredito que hoje, nós que somos um programa sui generis, sem recursos e local fixo de trabalho, temos sobretudo vontade de trabalhar”, declarou.

A primeira palestra, proferida por Ana Maria Alfonso-Goldfarb, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), abordou como tema “Enredos, nós e outras calosidades em História da Ciência”, durante a qual traçou um breve histórico de quando começou a ser construída e os principais obstáculos enfrentados.

A História da Ciência

Segundo informou Ana Maria Alfonso-Goldfarb, um dos pioneiros na busca pela história da ciência foi Auguste Comte, filósofo positivista do século XIX, em 1834. No entanto, muitos dos aspectos levantados por ele acabaram não sendo seguidos.

O primeiro periódico da História da Ciência foi publicado em 1913 e marcou a institucionalização da História e suas dificuldades. Acreditava-se que o traço de união entre as especializações seria a história. E esta precisava ser conhecida como um todo, e não individualmente, como parecia ser a tendência.

Mais tarde, George Sarton, pensador do século XIX e XX, tomou para si a tarefa proposta por Comte: contar uma história cuja única separação seria as etapas do tempo. No entanto, o pensador não previu a instabilidade que tal processo poderia gerar.

Ao final da carreira, Sarton reconheceu que quanto mais se aprofundava, mais se afastava do seu objetivo inicial de fazer a história. De acordo com a palestrante, o resultado disso foi a existência de décadas ainda não superadas, sobretudo quanto ao fazer histórico e a forma de ensinar.

– Um dos problemas é que qualquer curso dessa área começa com os gregos, o que nos leva a repetir o método sartoniano que ele mesmo duvidou no final da vida. O ideal seria trazer literaturas mais antigas, como Sarton queria, mas de um modo bem diferente. Oferecer originais traduzidos de outros povos como mesopotâmios, egípcios e chineses, que tiveram modos de pensar diferentes dos gregos. Ao contrastarmos esses textos com o dos gregos, é possível identificar em que medida a sua racionalidade é muito mais um mito do que uma verdade – informou a palestrante.

Como exposto na palestra, esses nós presentes na História da Ciência não podem ser imputados com exclusividade à historiografia de cunho sartoniano, pois a concepção de que haveria modos antigos de tratar a ciência contrastando com modos modernos aparece já em textos antigos e medievais.

Ao final do evento, Ana Maria Alfonso-Goldfarb propôs soluções para retirar os nós da história. “Uma das possíveis soluções seria introduzir, em conjunto com as obras que falam dos antigos e modernos, aqueles que foram acusados de antigos, pois assim seria possível descobrir suas facetas modernas escondidas. É um trabalho de comparação entre textos que parecem opostos mas que tem muita coisa em comum. Ou ainda, mostrar as facetas pouco modernas ou agradáveis dos supostos pais da ciência (Einstein, Galileu, entre outros), para que seja evidenciado seu lado humano. Nada melhor para acabar com as discussões anacrônicas de paternidade na historia da ciência do que por exemplo devolver a ela os indesejáveis, os excluídos. Trazer a polêmica de volta é uma necessidade. A história não pode ser tratada de forma linear e certinha”, concluiu.