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UFRJ promove seminário sobre religião e sexualidade

 Foi com muito ânimo que Maria das Dores Campos Machado, professora da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ, deu início às atividades do seminário "Religião e Sexualidade na Contemporaneidade", na manhã desta quarta-feira (24/09). O evento, que tomou lugar no Salão Dourado e que deve ir até a tarde desta quinta-feira (25/09), faz do projeto de pesquisa “Homofobia e violência: um estudo sobre os discursos e ações de lideranças religiosas em relação aos GLTB”, que conta com o apoio técnico e financeiro do Ministério da Saúde e é implementado pela ESS/UFRJ.

– Esse seminário é muito especial, pois representa uma das funções mais importantes da Universidade, que é pensar a realidade social do Brasil através de pesquisas. Neste momento, iremos refletir sobre os direitos humanos e a afirmação das escolhas dos indivíduos –, enfatizou Maria Magdala de Araújo Silva, diretora da Escola de Serviço Social da UFRJ. Ainda segundo ela, observar a relação entre religião e a questão da sexualidade na sociedade brasileira contemporânea é essencial para que se construam estratégias de apoio à diversidade sexual.

Outra convidada para a mesa de abertura foi Débora Fontelenelles, médica do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e representante do Programa Estadual de DST/Aids do Rio de Janeiro. Ela confessou a dificuldade encontrada em seu trabalho para lidar com pacientes que seguem à risca os tabus religiosos: “O assunto de hoje é extremamente relevante, pois ele sempre vem à tona nos consultórios. Esses dogmas religiosos interferem tanto de forma positiva como negativa nas pessoas. Muitas delas param o tratamento contra o vírus HIV porque acreditam estar curadas, após aderirem a alguma religião que lhes diz isso. Isso sem mencionar a liberdade de escolha sexual”.

Essa relação entre as tradições religiosas e a diversidade sexual foi o tema da primeira mesa-redonda do seminário. O antropólogo Marcelo Natividade, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, apresentou uma pesquisa sua realizada entre 2007 e 2008, baseada em jornais e revistas de caráter religioso, na qual percebera a forte existência de um repúdio em relação à sexualidade no discurso evangélico pentecostal. Muitos desses veículos de comunicação criticaram duramente a proposta de lei PL-122, que defendia o combate à homofobia. No material colhido durante a pesquisa, notava-se que os evangélicos incitavam seus seguidores a lutarem politicamente contra o aborto, o divórcio e a homossexualidade, e questionavam a educação sexual na escola, pois esta se posicionava favorável à diversidade sexual. Além disso, ele comentou sobre as “Igrejas inclusivas”, que se posicionam de forma positiva em relação à escolha sexual. “Nessas Igrejas, existe uma abertura para a questão da orientação sexual. Muitas dizem que a fé é para todos. Para elas, o importante é a monogamia e o combate à perversão, à promiscuidade” –, afirmou Marcelo Natividade. 

Já o trabalho de Maria das Dores Machado e de sua equipe se concentrou no estudo da percepção de diversas lideranças religiosas (afro-brasileira, católica, espírita, evangélica e judaica) sobre a sexualidade humana. Em sua palestra, ela ressaltou que os líderes de religiões protestantes históricas, como luteranos e presbiterianos, demonstram um comportamento mais favorável à questão da opção sexual do que líderes de outras vertentes cristãs. Porém, a interdição a cargos eclesiásticos se mantém, assim como em outras religiões, e os protestantes avaliam como negativos e agressivos os movimentos pela liberdade sexual.

A postura da Igreja Católica em relação ao tema também foi comentada por Maria das Dores Machado. Os líderes católicos apresentam também um processo de reinterpretação da sexualidade, tentando distinguir os tipos de homossexualidade. Apesar de categorizar como “pecado” e “antinatural” tal escolha, a atitude pastoral em relação aos indivíduos que a fizeram gira em torno da compaixão, da misericórdia e do acolhimento. Assim como as lideranças evangélicas, as católicas também pregam pela monogamia, pela castidade e pela sexualidade com responsabilidade, e vêem com maus olhos os protestos e ações pela defesa da homossexualidade.

Foi Myriam Moraes Lins de Barros, professora da ESS/UFRJ, quem analisou o discurso de dois líderes judaicos sobre o assunto da diversidade sexual. “Apesar de complicadas, as entrevistas com os rabinos foram muito ricas, já que os pensamentos eram diferentes e conflitantes (um era liberal e o outro ortodoxo), o que evidenciou que até mesmo a comunidade judaica, que se diz tão fechada, não é totalmente sólida sobre a interpretação da sexualidade. O tratamento em relação à escolha sexual depende bastante da filosofia da liderança religiosa local.” – afirmou Myriam de Barros. Enquanto que o rabino ortodoxo se mostrou contrário ao discurso homossexual, que por tentar se particularizar acaba sendo discriminador, o liberal afirmou que o “desvio sexual” só é condenado religiosamente quando testemunhado fora do limite particular.

– As religiões espírita e de origem africana (Candomblé e Umbanda) são mais abertas ao comportamento homossexual, desde que esse não invada os espaços sagrados –, ressaltou Luciana Patrícia Zucco, também da Escola de Serviço Social, que na mesa-redonda ficou responsável por apresentar a percepção do espiritismo e das religiões afro-brasileiras sobre a sexualidade. Essas religiões também delimitam aos homossexuais somente o espaço dos fiéis no âmbito das instituições religiosas, ou seja, aqueles que possuem uma escolha diferente da “referência” heterossexual não podem ocupar cargos dentro da Igreja.

Para os espíritas, a identidade sexual é própria da natureza humana, e ela deve ser enfática na relação compromissada, duradoura. Além disso, as lideranças dessa religião conceituam o ato sexual como um “compromisso espiritual”. Porém, elas são contrárias à família homossexual, mesmo por adoção.

A importância da relação sexual também é presente no discurso dos líderes religiosos do Candomblé e da Umbanda, pois trata-se de uma fonte de amor e prazer. “É uma questão vital”, pontuou Luciana Zucco. Ela também disse em sua palestra que as religiões afro-brasileiras não demonstram um preconceito em relação à escolha sexual, que elas defendem o livre-arbítrio, desde que o comportamento seja adequado na hora de adentrar um local sagrado. “Na hora do ritual, o homossexual deve se vestir como heterossexual, tanto o homem quanto a mulher”, afirmou a professora de Serviço Social. 
        
Após a exibição desses trabalhos, coube a Cecília Mariz, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), debater sobre os temas levantados. “Fica cada vez mais evidente a tendência das Igrejas em procurarem responder à questão da sexualidade na contemporaneidade. Muitas delas tentam pensar em seus interiores a questão da homossexualidade e como tratar seguidores com essa escolha. Outro fenômeno interessante é que mesmo as mais liberais buscam criar uma nova normatização das sub-culturas sexuais”, finaliza Cecília Mariz.