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Limites entre Cinema e Literatura

 — A literatura e cinema não são tão distantes — disse o pesquisador e professor do departamento de espanhol e português da University of California (UCLA), Randal Johnson. Convidado pelo Programa de Pós-graduação da Escola de Comunicação (ECO-Pós) da UFRJ em parceria com o Globo Universidade para ministrar uma disciplina compactada sobre Cinema, Literatura e TV que ocorre entre os dias 18 e 22 deste mês, o pesquisador também dará a aula inaugural do programa na tarde do próximo dia 20, quarta-feira.

Johnson apontou durante sua primeira aula que as relações entre cinema e literatura não se limitam às adaptações do texto escrito para a tela, apontando três outros importantes pontos de encontro. O primeiro seria os filmes feitos sobre escritores, como O Homem do Pau Brasil, comédia fantástica de 1982, sobre o escritor brasileiro Oswald de Andrade, dirigida por Joaquim Pedro de Andrade. Outro seria o uso estrutural ou incorporação de textos literários no discurso cinematográfico, como ocorre em Os incofidentes, uma co-produção brasileira e italiana de 1972, também dirigida por Joaquim Pedro de Andrade, que conta a história da Incofidência Mineira baseada nos livros O romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, e Autos da devassa, de Tomás Antonio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto. E por final o encontro da literatura e do cinema poderia se dar através de referências como alusões literárias nos diálogos e citações implícitas ou explícitas, visuais, orais ou escritas diretamente na tela. Este último recurso é utilizado no filme Bicho de sete cabeças, de Laís Bodanzky, no qual há uma cena em que versos do poema O Buraco no Espelho, de Arnaldo Antunes, aparecem escritos na parede filmada enquanto ouve-se a voz do próprio autor musicando seu escrito.

— Essses casos representam um campo de estudo aberto entre literatura e cinema sem enfatizar as adaptações — comentou Johnson completando que os estudos acadêmcicos destas relações são muito recentes e geralmente se limitam a um caso individual, abordando apenas aspectos da literatura.

Durante toda a aula, o pesquisador criticou a valorização do texto literário sobre o discurso cinematográfico, indicando que é muito comum entre os espectadores uma exigência de fidelidade do filme ao livro. “A questão da adaptação como um problema só ocorre em determinadas circunstâncias. Não ocorre, por exemplo, quando a obra literária não é conhecida, é o caso de O Justiceiro de Nelson Pereira dos Santos, baseado no livro de João Bethancourt, As Vidas de El Justicero.”

Segundo o professor este freqüente discurso da fidelidade “carrega insinuações de um pudor vitoriano” e se baseia na crença difundida de que a literatura é superior ao cinema. Johnson apontou diversas causas para o preconceito contra as adaptações, dentre elas o fato da literatura ser anterior no tempo ao cinema, o que pode levar à idéia de que o livro é historicamente mais nobre e o filme secundário. Outras causas apontadas para este preconceito foram: o pensamento dicotonômico de que cinema e literatura são rivais, a logofilia, preferência pela palavra escrita à imagem, o mito da facilidade segundo o qual o cinema seria inferior por ser mais fácil de fazer e entender que o livro, o preconceito de classe que categoriza o cinema como produto para as massas e, portanto, de menor valor e o parasitismo que seria a crença na idéia de que o filme adaptado suga e destrói o que é essencial no livro.

— É muito comum, em críticas e discussões sobre adaptações, dizer que os contos e romances contam enquanto a imagem mostra. Mas em qualquer manual de redação, pelo menos em inglês, vemos que contar e mostrar são recursos estilísticos, um mais direto e outro indireto — disse Johnson exemplificando que no cinema há a narração em off que conta e logo o cinema pode utilizar ambos os recursos, inclusive ao mesmo tempo, sem se limitar a apenas mostrar.

O professor combateu os clichês que giram em torno da questão cinema e literatura, como a idéia de que somente a escrita tem a flexibilidade de representar tanto a intimidade quanto a distância e o juízo de que a escrita domina a interioridade e o cinema a exterioridade. “É possível expressar a interioridade pela imagem, através da distorção de foco, da música e até do uso de texto em cena.”

— A linguagem escrita sempre esteve no cinema, desde os filmes mudos com as cartelas que continham as falas e pensamentos dos personagens — disse Johnson que brincou com a idéia de que um filme que mostrasse para o espectador todas as páginas de um livro, ou que contasse através fala um romance inteiro, ainda seria cinema. “O cinema tem disponível tanto a imagem quanto a escrita” finalizou o professor que defende que a diferença entre literatura e cinema é meramente o suporte utilizado, não sendo uma arte melhor que a outra.