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Aula Inaugural de Nutrição: publicar ou perecer?

 Aconteceu na última quarta-feira, dia 14, a Aula Inaugural do Programa de Pós-graduação em Nutrição, ocorrida no Centro de Ciência da Saúde (CCS/UFRJ). O evento contou com a palestra de Luis David Castiel, professor titular da Escola Nacional de Saúde Pública da FIOCRUZ, que debateu a maneira mercadológica com que o artigo científico vem sendo tratado.

O professor começou discutindo o significado do termo “fetiche”, de origem francesa, que remete à atribuição de um estatuto diferente do convencional a um objeto. No Cartesianismo, corresponde ao que é produzido pela mente a partir de uma idéia. De um modo geral, trata-se de algo a que se confere poderes mágicos ou sobrenaturais, positivos ou negativos, como amuletos. A introdução serviu para que Luis associasse a forma com que o artigo científico é atualmente encarado pelos autores a uma espécie de fetichismo.

Segundo Castiel, é aí que entra o famoso ditado: “publicar ou perecer”, que sugere o ato da publicação como uma questão de sobrevivência.  A origem da frase está em “O homem acadêmico”, de Logan Wilson, publicado há cerca de 66 anos. Para Luis, com a ampliação dos recursos informáticos, publicar se tornou algo aparentemente mais fácil, idéia que ajudou a alimentar tal ditado.

Luis Castiel explicou que há uma grande competição por recursos, e são necessários credenciais para que se consiga obter bolsas e publicar, uma vez que isto é importante para o currículo. O resultado é uma proliferação de artigos e revistas. “Quem lê tudo isso, mesmo em seu próprio campo? Quem consegue estar atualizado? A idéia de atualização virou uma corrida insana. Há uma correria atrás de algo que se afasta constantemente. Não estou dizendo que as pessoas deixem de ler, mas esta idéia, sobretudo no ambiente médico, se torna uma utopia. Há também uma relação de competição entre os artigos. É o darwinismo bibliográfico, em que os artigos competem para ver quem ocupa o espaço na revista”, constata o professor.

– Não é apenas um artigo que se volta para o avanço do conhecimento científico, mas é algo voltado ao prestígio do pesquisador e do grupo de pesquisa. É a justificativa de que esse pesquisador tem méritos científicos, pois publica em revistas como uma forma de fetiche – explica o especialista. Além das publicações, o profissional ainda precisa ser citado, fato que corresponde ao ápice da carreira. No entanto, o ideal é que a citação seja em outro idioma, sugerindo também um fetiche em relação à língua – opina Luis Castiel.

De acordo com ele, trata-se de um jogo material que cada vez mais adquire a dimensão extracientífica e ideológica. Seria o poder do autor de ser identificado como uma potência no campo científico, por possuir muitas publicações. Estas, porém, por diversas vezes foram constituídas através de práticas que ele considera discutíveis, mas infelizmente se naturalizaram na produção de artigos científicos.

Dentre essas práticas, Castiel caracterizou algumas, a começar pelo que apelidou de “ciência salame”, em que uma pesquisa é dividida em unidades menores, publicáveis, para que se tornem vários artigos distribuídos em diferentes revistas. Outra estratégia para ampliar a produtividade é uma espécie de troca autoral, em que os autores fazem um acordo para que um saia como autor no artigo do outro e vice-versa, sem que haja uma participação ativa em ambos os estudos. Ainda citou os “microplágios”, cópias de trechos da internet, muitas vezes traduzidas do inglês. “Não podemos esquecer das referências bibliográficas roubadas de algum artigo que realmente tenha sido utilizado como fonte para um trabalho. Ainda há a possibilidade de citar pessoas que já te citaram para ver se elas citam novamente. Para sobreviver nesse ambiente, as pessoas se permitem a práticas para otimizar sua produção. Há uma ética nisso?”, indaga o professor.

Luis Castiel conseguiu verbalizar técnicas utilizadas, baseadas em fundamentos questionáveis, e estimular o pensamento crítico do público que, por diversas vezes, manifestou diferentes opiniões e contribuiu na construção do raciocínio desenvolvido. A esta forma de fetiche, que recebeu o nome de “publicacionismo”, fica a indagação do mestre: até que ponto determinadas práticas são aceitáveis?