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Respostas brasileiras à violência

 O Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC) da UFRJ realizou nesta quinta-feira, (7/8), uma reunião dos pesquisadores do Programa de Pós-Doutorado em Estudos Culturais, coordenado pela professora Heloísa Buarque de Hollanda. Para o evento, foi convidada Silvia Ramos, cientista social e pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, que ministrou a palestra "Juventude, Favela e Polícia: respostas brasileiras à violência".

Sílvia, que recentemente lançou o livro Mídia e Violência, iniciou sua fala com um histórico do número de homicídios no Brasil, país que registra em média 50 mil assassinatos por ano, representando uma taxa de mais de 25 pontos – enquanto países como Alemanha tem esse número na faixa de 1,4. Para a especialista, esse número é ainda mais alarmante quando percebe-se a enorme concentração em determinado grupo de vítimas: “Em sua maioria jovens entre 15 e 24 anos, negros, de baixa escolaridade e classe social”, descreve a professora.

No Rio de Janeiro, essa proporção se mantém, havendo diferentes padrões de taxas de homicídio dentro da própria cidade. “Temos padrões de diferentes países dentro do mesmo território”, revela, lembrando que um outro dado – o número de pessoas que morreram em confronto com a polícia em 2007 no Rio de Janeiro é muito superior ao de outros países. São 1330 mortes contabilizadas no Rio de Janeiro, sendo que em todo os Estados Unidos foram 370; 15 na Alemanha e apenas dois casos de morte provocada por policiais na França. “Esse número é escandaloso, apesar de muitos desses casos corresponderem de fato a pessoas que resistiram à prisão”, lamenta Sílvia.

– Isso é o resultado de uma política que estimula o confronto. Tanto que houve durante certo período no Rio de Janeiro, a “gratificação faroeste”, que incrementava o salário de policiais que matassem durante as operações os chamados “procurados” – disse a professora, lembrando que os policiais também são vítimas. Setenta por cento das mortes de policiais ocorrem nos momentos de folga.

Brasil demora para acordar

Segundo Sílvia Ramos, o Brasil demorou a perceber esse índice escabroso de morte entre jovens de classes mais baixas. “Antes ficava dentro de um grupo social, um fatricídio, eles se matavam entre si – sendo em certo ponto até favorável para as autoridades. O país acorda quando começa a transbordar”, revela a especialista. Nos anos 90 isso muda de figura. O jovem da favela e da periferia – locais onde esse índice é maior – passa a ter maior visibilidade. “Eles surgem então no cenário social e político do país com voz própria”, afirma Sílvia, lembrando do documentário Falcão, Meninos do Tráfico, que todo o Brasil parou para assistir a exibição de 50 minutos ininterruptos, no Fantástico.

– Se o pesquisador quer estudar esse grupo de jovens é preciso falar com o Afroreggae, com Mv Bill e tantos outros – afirma a professora, explicando que esses grupos têm um valor muito maior para pesquisadores, por permitir o acesso a esses jovens, do que à própria comunidade que representa. Ainda assim, são responsáveis por muitos jovens trocarem os fuzis pelo tambor, com um discurso de diálogo de territórios, como o projeto que aliou a polícia de Belo Horizonte aos adolescentes de uma comunidade do Rio de Janeiro – que apesar das aparentes dificuldades iniciais, terminou como um exemplo bem-sucedido de troca e tolerância, aliado a um discurso de afirmação territorial e racial representada por uma “explosão de alegria”, como define a especialista.

Riscos

Sílvia alerta, no entanto para o risco de se pensar que a partir desses trabalhos o índice de homicídios e de violência diminui. “É um risco achar que trabalhos como o desempenhado pela CUFA, pelo Afroreggae, vai mudar a realidade”, destaca a professora, com a ressalva de que esses grupos podem – e são importantes para – mediar esse diálogo entre a polícia e os garotos, uma vez que tem se mostrado “a forma de acesso de pesquisadores, da cidade, para os meninos da favela”, reconhece a especialista, que completa: “Eles não vão mudar a realidade, não suspendem a guerra. Esta situação só será resolvida com uma polícia respeitosa e que se faz respeitada”, finaliza Sílvia Ramos.