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Inclusão social de pacientes com distúrbios mentais

 O Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) realizou nessa quarta-feira (6/8) o “Caia 4 nesta loucura: cidades, redes e políticas públicas de inclusão”, organizado pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP). Pelo quarto ano consecutivo, o evento busca discutir a reintegração social dos usuários da rede de saúde mental por meio da geração de trabalho e renda.

Segundo informou Marcelo Ramos, coordenador do projeto de Rede Nacional de Saúde Mental do ITCP e um dos organizadores do evento, “a Incubadora, criada em 1995, é responsável pela assessoria a grupos de indivíduos que tenham interesse em constituir uma cooperativa popular a partir de um ofício ou interesse comum”.

Presentes a cerimônia, o professor Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe; Isabel Cristina de Azevedo, superintendente geral de Extensão e representante do professor Aluízio Teixeira, reitor da UFRJ e da professora Laura Tavares, pró-reitora de Extensão; Hugo Fagundes, Coordenador Municipal de Saúde Mental; Iracema Polidoro, representante do Movimento da Luta Antimanicomial do Rio de Janeiro; Fernando Sohbie, coordenador estadual de Saúde Mental, entre outros.

O evento abordou questões relacionadas ao trabalho e geração de renda, educação e exclusão. “Esse seminário mostra que o importante não é apenas a terapia, mas a produção dos portadores de necessidades especiais. Em eventos como esse é que são valorizados. uma ótima oportunidade para discutir resultados e buscar ampliações.” disse Luiz Pinguelli.

Os palestrantes defenderam a municipalização da questão da saúde mental pela criação de um fórum de pró-reitores de extensão que pretende reunir todos os municípios do Estado para discutir políticas públicas na área de saúde para inclusão. A municipalização favorece o preparo de pessoas capacitadas a cuidar dos doentes.

O coordenador estadual de Saúde Mental, Fernando Sohbie, enalteceu a participação da UFRJ como protagonista no campo do acesso ao trabalho. “É nesse ponto que conseguimos atingir a sociedade, colocando-a para discutir junto, dando visibilidade aos problemas”, declarou.

A reforma psiquiátrica

Durante o evento, foram abordados aspectos históricos da psiquiatria e, sobretudo da forma como evoluiu o tratamento de pacientes com transtornos mentais.

A reforma psiquiátrica teve início no final da década de 70 e com ela surgiu o movimento da Luta Antimanicomial do Rio de Janeiro, que busca a transformação dos serviços psiquiátricos como eram oferecidos, de forma a dar sustentabilidade juntamente com os próprios usuários e familiares, à reforma.

Segundo apresentou a professora Edicléia Mascarenhas, o tratamento de pacientes com distúrbios mentais evoluiu com o passar dos anos da primeira forma asilar, quando se internava e excluía da sociedade até a forma de inclusão, atual, que vem sendo defendida pelos organismos responsáveis.“O problema é que as pessoas costumam dirigir seu olhar para o que o outro não tem, ao invés de enxergarem o que ele pode oferecer para a sociedade, seu potencial”, disse Edicléia.

Em 1874, o Hospital Juliano Moreira, na Bahia, criou uma escola para crianças com transtornos mentais que até então não existia e, portanto não havia separação entre crianças, adultos e idosos dentro dos hospitais.Com a publicação do artigo “Débeis mentais na Escola Pública, higiene escolar e Pedagogia” do médico Vieira de Mello, surgiu em 1917, o Serviço Médico-escolar de São Paulo. O documento continha as normas para atuação das equipes e fiscalização dos edifícios, alunos e professores, embora não houvesse ainda uma distinção clara entre as doenças.

Mais tarde, em 1994, a declaração de Salamanca (trata dos princípios, política e prática em Educação Especial) afirmou a importância da universidade junto à comunidade na garantia do acesso à educação para todos. “Construir escolas inclusivas é destruir projetos de asilos, guetos e manicômios”, concluiu Edicléia Mascarenhas.

Transtorno mental e legislação

No segundo dia do evento, Lisiane Chaves Motta, procuradora do Trabalho (PRT), dra. Eliete da Silva Telles, juíza do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e representante do Programa Cidadania e Justiça da Associação dos Magistrados do Trabalho, professor Pedro Paulo de Bicalho, coordenador do programa de extensão Núcleo Interdisciplinar de Ações para a Cidadania (NIAC) e outros, discutiram a questão legal que envolve os pacientes com algum tipo de transtorno mental.

A apresentação concentrou em trabalhos realizados pelos usuários da rede de saúde mental e em debates polêmicos como o “sistema de cotas no ambiente de trabalho”, do qual estão excluídos os pacientes com distúrbios mentais e o “papel da legislação na proteção desses indivíduos”. Pedro Paulo Bicalho deu sua opinião a respeito do assunto: “Para mim, não deveria haver uma legislação específica para essas pessoas. Se as tratamos como iguais e acreditamos que esse é o certo, criar uma legislação específica é também uma forma de excluir”.

A procuradora do Trabalho informou que não há uma legislação que proteja as pessoas com problemas de saúde mental. O próprio sistema de cotas não os inclui na percentagem de 2% a 5% (dependendo do número de empregados) de vagas para deficientes que as empresas são obrigadas a respeitar.

O Ministério Público atua junto às empresas para que sejam corrigidos desvios de conduta antes de fazer o encaminhamento à Justiça. “Hoje o que nós temos são os chamados nós da legislação, como no caso das cotas, que excluem os pacientes com problemas de saúde mental e a possibilidade de se manter no emprego caso o trabalhador sofra algum surto, uma vez que é proibido por lei a demissão pautada na discriminação. No entanto, não há leis diretas, apenas vias alternativas”, declarou a juíza.
Ao final do evento o professor Pedro Paulo de Bicalho questionou o atual sistema penal. “Acredito que uma questão a ser colocada se refere ao sistema criminal, que se baseia na punição. No caso de pacientes com transtornos mentais, o que se costuma fazer são medidas de segurança, e elas só terminam quando alguém especializado diz que os pacientes não apresentam mais perigo. No entanto, quem pode realmente dizer isso? Precisamos discutir com seriedade a questão penal como tem sido hoje. A justiça precisa entender definitivamente que todos nós somos cidadãos”.