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Saxofonista: o mediador na articulação de composições mistas

 Apesar de o título causar estranhamento para leigos, a palestra do projeto Música no Fórum, do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, desta quarta-feira, dia 16 de julho, abordou um tema ao mesmo tempo irreverente, moderno e com bastante técnica. “O saxofonista como mediador na articulação de composições mistas” é a tese de doutorado que o saxofonista Pedro Bittencourt está desenvolvendo na Universidade de Paris VIII, na França, analisando o papel do intérprete – no caso dele, do saxofonista – em improvisações e peças criadas por compositores para saxofone solo ou com música eletrônica, o que dá origem à música mista – alterando o som desse e de outros instrumentos a partir de programas de computadores.

Bittencourt, graduado em Comunicação Social / Radialismo pela UFRJ, ingressou em um conservatório na França para se dedicar ao estudo do saxofone, o que desencadeou um mestrado em Musicologia sobre sobre Iannis Xenakis – compositor romeno de música contemporânea. “A questão da multimídia sempre foi corrente para mim. Tenho uma ligação bem forte tanto com o audiovisual quanto com a música”, diz Pedro, explicando então o que desencadeou seus projetos relacionados à tese de doutorado Sax + (lê-se saxofone plus) e Ondas Segundo Poetas, nas quais, ao contrário do caminho óbvio que seria desenvolver a tese sobre Cheniaux, ele se volta para a utilização do sax como instrumento de percepção, possibilitando a criação de novas peças e a exploração da interatividade entre o saxofone e a eletrônica – que constituiria em um novo instrumento.

– Ao final dos anos 90 a informática começa a se popularizar, se embrenhar em vários domínios, tornando-se parte do cotidiano de muita gente. Percebi então o grande potencial da interação com a tecnologia: grande parte dos compositores jovens estuda composição com as tecnologias mais recentes, aplicando a técnica a instrumentos acústicos também. Isso enriquece aos dois lados: o instrumento acústico e a parte eletrônica – conta Bittencourt, lembrando que o saxofone é um instrumento relativamente novo: pouco mais de 160 anos, enquanto a música eletroacústica está chegando aos 60 anos.

O músico, que tem como referências Hermeto Pascoal, Carlos Malta e Mecenas Magno, que foi seu primeiro professor de saxofone, também formado na França e intérprete de música contemporânea, apresenta durante a palestra peças dos projetos que desenvolveu. Em Sax +, trabalha o papel do saxofonista como mediador, o que explica o título de sua tese. “Há uma troca no momento do compositor escolher o material para compor, que som do saxofone vai usar e quais modos de ataque, isto é, que sons ele vai explorar. Isso é feito numa etapa preliminar da composição, em que cada compositor tem uma idéia musical. Trabalhamos então no saxofone as diferentes sonoridades que o instrumento pode fazer e, do mesmo modo, com a eletrônica”, explica. As peças apresentadas do projeto Sax + durante a palestra, fornecem aos ouvintes diferentes formas de percepção – desde sons como água, batidas, até sentimentos de angústia e a possibilidade de expressão. As peças podem ser conferidas no site www.pedrobittencout.info.

Já em Ondas Para Poetas, Bittencourt trabalha com poesias sobre o tema mar, com o qual mostra uma relação pessoal. A partir do poema Marinheiro, de Fernando Pessoa, e outras de autores espanhóis, portugueses e alemães – sempre declamadas em sua língua natal, o saxofonista cria uma relação com imagens e a música produzida por um sexteto de voz, flauta, clarinete, sax, violoncelo e percussão, aliado à eletrônica. Até as palmas do público foram transformadas eletronicamente, em um som que se assemelha ao das ondas. Pedro Bittencout planeja trazer esse projeto, já apresentado na Alemanha e na França, para o Brasil, mas faltam incentivos.

O músico finaliza sua apresentação destacando que a música mista e eletroacústica “encarnou em sua breve história grandes mudanças no trabalho dos compositores. Isso significa que o controle sobre as fontes sonoras acústicas e eletroacústicas se tornou uma questão crucial na composição da música mista, influenciando nas técnicas e estéticas do compositor”, afirma Bittencourt, que conclui: “eu sou intérprete. Me proponho a desenvolver projetos de concerto, com essas duas formações. Tanto com saxofone solo ou lançando a eletrônica, vídeo e poesia”, afirma, destacando a lição do ser músico: abrir-se para novos conhecimentos e possibilidades.