O Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UFRJ dedicou a sessão do Conselho de Centro ao professor João Ferreira, ex-decano do Centro, maranhense radicado no Rio de Janeiro, que faleceu no último dia 24 de maio. Almir Fraga Valladares, atual decano, abriu os trabalhos, realizados nesta segunda-feira (2), convidando três professores que tiveram ligações afetivas e profissionais mais próximas ao homenageado.
Tomada de forte emoção, Alicia Navarro, chefe do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina (FM) lamentou a perda precoce e abrupta do grande mestre. “A notícia da morte de João fez o chão se abrir sob nossos pés”, disse a professora ao iniciar seu discurso. E continuou lembrando o que disse um funcionário do CCS: “Quando o professor João não assusta, diverte”.
– A meu ver esse era um aprendizado fundamental da convivência com o João. Não havia repetição, não havia mesmice no cotidiano com ele. Ele podia nos assustar, ou podia nos trazer muito, muito. João não se prendia ao passado dizia que não olhava para trás para não virar estátua de sal – lembra a professora.
Segundo ela, João tomava conta de todos seus amigos com sua bondade. Tinha uma grande alegria de viver e o dom da palavra, era um poeta. “Nos surpreendia como ninguém. Estava sempre inventando algo. Nada podia ser adiado, pelo contrário, João agia sempre com antecipação.”
Outro convidado, Pedro Gabriel, agradeceu a oportunidade para falar de João Ferreira e sua importância como professor e idealizador na UFRJ. “Queria mencionar como colega do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, a relevância do professor para seus pares, alunos e para todas as pessoas no campo da Saúde Mental. Ele se tornou amado e admirado, marcou sua carreira acadêmica por suas características pessoais. Tinha a irreverência como método pedagógico que atingia desde o aluno da graduação até o professor universitário. Tal característica funcionava como uma centelha de iluminação para mover o pensamento”.
O homenageado foi lembrado por sua dedicação como professor em tempo integral, sempre voltado para o ensino, especialmente na área a qual tanto se dedicou – a Psiquiatria. Sua última atividade foi uma mesa redonda na qual foi discutido o impacto dos acontecimentos de 1968 sobre a Saúde Mental. Algo aparentemente sem relação, mas que João conseguiu fundamentar, relacionando a importante experiência política do século passado, com todos os seus efeitos no campo da Saúde Mental e da Psiquiatria.
– João Ferreira era um importante intelectual da Psiquiatria, não era apenas um psiquiatra, um professor, era aquela pessoa que trazia sempre contribuição critica para esse campo do conhecimento – assim Pedro Gabriel definiu João Ferreira.
João Ferreira jamais se contentou em ser somente um especialista em Psicopatologia do Trabalho. Transitava com profundidade e desenvoltura em campos do saber como Educação, Sociologia, Filosofia, História, Literatura, Arte e política. “Com sua morte a UFRJ, o Ensino Superior, o Brasil, certamente escureceu. Que pena… João nos deixou antes mesmo de completar 60 anos”, lamentou Francisco Strauss, coordenador de Ensino de Graduação da gestão de João Ferreira na decania do CCS.
Das muitas conquistas de João Ferreira uma delas foi a instalação do projeto “Viva Vida”, desenvolvido através de um convênio do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da UFRJ com o governo do estado do Maranhão, cuja finalidade era a inclusão social, abrangendo doentes mentais e hansenianos excluídos da escola, no período de 2001 a 2003. “Durante esses dois anos e meio, no Maranhão, nós capacitamos, em Saúde Mental, dez mil agentes comunitários de saúde, 300 médicos e enfermeiros, 450 auxiliares de enfermagem do Programa de Saúde da Família (PSF). Com um curso de especialização em Saúde Mental, com aulas sextas e sábados, no Palácio do Governo do Maranhão, com vários professores da UFRJ, formamos 60 especialistas (o Maranhão tinha apenas oito psiquiatras)”, relata Cristinha Loyola, diretora do Hospital Escola São Francisco de Assis (Hesfa).
Nesse período a equipe de João Ferreira realizou dois congressos naquele estado (um nacional e outro internacional) e publicou dois livros. “Não era pouca coisa para dois anos, levando em consideração que tudo continuava acontecendo no IPUB e no Brasil e nas outras questões em que o João se envolvia. Acho que o João conseguiu, e essa é a minha grande homenagem acadêmica a ele, trazer o Maranhão para o Rio de Janeiro. Não é um sonho pequeno para quem veio de tão longe, mas ele conseguiu juntar todo o conhecimento que aprendeu na academia e levou para melhorar o Maranhão que, naquela época, detinha os piores índices, levando-se em consideração as perspectivas da reforma psiquiátrica. Hoje em dia o Maranhão não é o pior estado”, afirma Cristinha Loyola.
Para reverenciar e perpetuar a memória de João, Francisco Strauss sugeriu ao Conselho de Coordenação do CCS que, consensualmente, leve às instâncias universitárias superiores, que coloque o nome de João Ferreira da Silva Filho no prédio que abriga o CCS.