A paternidade foi o tema principal da palestra de Antonio Carlos Secchin, escritor membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e professor da UFRJ, durante a Jornada Discente Machado de Assis realizada pela Faculdade de Letras nessa quarta-feira, (4) para lembrar os 100 anos de morte do primeiro presidente da ABL. ">A paternidade foi o tema principal da palestra de Antonio Carlos Secchin, escritor membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e professor da UFRJ, durante a Jornada Discente Machado de Assis realizada pela Faculdade de Letras nessa quarta-feira, (4) para lembrar os 100 anos de morte do primeiro presidente da ABL. ">
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Memória

Machado, pai de Alencar?

A paternidade foi o tema principal da palestra de Antonio Carlos Secchin, escritor membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e professor da UFRJ, durante a Jornada Discente Machado de Assis realizada pela Faculdade de Letras nessa quarta-feira, (4) para lembrar os 100 anos de morte do primeiro presidente da ABL.

 A paternidade foi o tema principal da palestra de Antonio Carlos Secchin, escritor membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e professor da UFRJ, durante a Jornada Discente Machado de Assis realizada pela Faculdade de Letras nessa quarta-feira, (4) para lembrar os 100 anos de morte do primeiro presidente da ABL. A partir da comparação de uma das mais conhecidas obras de Machado de Assis, Dom Casmurro, com o romance Senhora de José de Alencar, Secchin evidenciou laços de paternidade da realidade através do apontamento de nexos e semelhanças entre personagens destas duas ficções. Secchin acredita que Machado seria o pai simbólico, escolhido dentro de uma gama possível de ascendência, do filho de Alencar, Mário de Alencar.

Segundo o imortal, Machado de Assis, José de Alencar e seu filho Mário de Alencar formavam um triângulo de relações pessoais que se refletiu em suas produções literárias. Em Senhora há o personagem Seixas que aceita dinheiro para se casar com uma moça, enquanto que em Dom Casmurro há Capitu que se casa com Bentinho, homem com melhores condições financeiras que ela. Ambos têm em comum a visão do casamento como forma de ascensão social, ambos se corrompem — Capitu com o adultério e Seixas com a venda de si mesmo — e são punidos com o afastamento — Capitu com uma viajem imposta por seu marido para esconder a vergonha da traição e Seixas com o banimento do leito nupcial.

Entre a personagem principal de Senhora, Aurélia, e Capitu também há semelhanças. As duas mulheres são ativas e dominadoras, elas que decidem quando o desejo deve se consumar. Aurélia controla seu marido, Seixas, e define quando acontecerá a noite de núpcias e Capitu é quem informa a Bentinho, seu futuro marido, que ele a deseja.

Tanto Seixas quanto Bentinho são personagens masculinos manipulados por mulheres, ambos cresceram em ambientes de presença predominantemente feminina e sem a figura do pai. Assim como há em Bentinho a ausência de pai, há em Dom Casmurro, identidade que assume já mais velho, a ausência da paternidade imposta pela desconfiança de que o filho gerado por Capitu seria de outro.

A biografia dos autores destas obras, segundo Secchin, explica porque a paternidade transparece desta forma em suas ficções. Mário de Alencar não teve uma boa relação com o pai biológico, que morreu quando ele tinha 5 anos, mas era muito próximo de Machado de Assis. Já Machado tinha José de Alencar como seu pai simbólico e durante a fundação da ABL escolheu-o como seu patrono. Porém, disse Secchin, Machado também pode ser considerado o pai de José de Alencar, pois ajudou no patrocínio da publicação do livro Iracema, com uma crítica cheia de elogios que fortaleceu a carreira do escritor.

Secchin contou que Machado apoiava veementemente Mário de Alencar, como se fosse seu filho. Machado patrocinou a candidatura de Mário à ABL e durante o processo de votação fez uma campanha escancarada para sua vitória, mesmo sabendo que Mário só tinha um livro publicado, Lágrimas. Neste pequeno livro de poemas, escrito por Mário aos 16 anos, há uma dedicatória formal em memória de seu pai Alencar, a única feita por ele em toda a sua vida. Mário consegue entrar na ABL.“A ABL sempre foi a casa de Machado, então Mário simbolicamente foi acolhido na casa de seu pai” disse Secchin.

– Como o filho de Capitu que admirava mais o amigo da família Escobar do que o pai Bentinho, Mário rejeitava a paternidade de José para exaltar Machado com reverências e semelhanças no estilo de escrita -, completou Secchin. Com a morte de Machado, o filho simbólico escreve em sua homenagem seu primeiro livro de prosas, Alguns Escritos, que contém revelações e exaltação da vida e obra de seu pai simbólico. “Foi preciso que o pai simbólico, Machado de Assis, morresse para que Mário nascesse e começasse sua produção ficcional” falou Secchin sobre a mudança de estilo literário de Mário.

Em Alguns Escritos, o prólogo, escrito com um estilo muito semelhante ao de Machado, é assinado por MDA. Segundo Secchin, Mário, José e Machado estão “escondidos nesta sigla e revelados na complexidade da interpretação dos leitores”, pois MDA pode significar tanto Machado de Assis quanto Mário de Assis ou Mário de Alencar. A idéia de Mário como filho de Machado não é nova. Humberto de Campos, imortal da ABL, insinuou em seu diário secreto, publicado postumamente, que Mário seria filho biológico de Machado de Assis. Embora nada possa ser provado, aqui fica a dúvida nas palavras de Humberto: “Dom Casmurro não será uma história verdadeira? Aquele amigo que trai o amigo, aquele filho que fica de uns amores clandestinos, não seriam páginas de uma autobiografia?”.