Dezenas de estudantes da área de saúde e os residentes, trajando seus jalecos, realizaram, nesta sexta-feira, a partir das oito horas da manhã, um ato em favor de melhorias nas condições técnicas e estruturais do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF).
A idéia surgiu do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e do Centro Acadêmico (CA) da Faculdade de Medicina e, ao ser divulgada, angariou apoio dos outros cursos do Centro de Ciências da Saúde (CCS), possibilitando ampliar o número de participantes da manifestação.
O movimento propõe o conhecimento, por parte de todos, das condições atuais do Hospital. Dentre as denúncias, está a do fechamento dos leitos das enfermarias e dos ambulatórios por falta de meios para prestar atendimento adequado, que, só estão em funcionamento, de acordo com os estudantes, graças ao esforço dos médicos e residentes para não abandonar os pacientes.
Este, no entanto, não é o primeiro sinal de precarização assinalado pelos que atuam no hospital. “Há dois meses, começou uma greve dos residentes de cirurgia devido à carência de recursos, o que implica uma impossibilidade de trabalhar e aprender”, informa Letícia Hastenreiter, estudante de Medicina do 11º período e representante do DCE.
O protesto visa, de acordo com Letícia, ganhar a atenção da população e cobrar do governo maior respeito à educação e ao hospital. “É o início de um processo agudizado, com uma série de manifestações que ainda estão por vir. Não vamos deixar que precarizem o nosso hospital.”, avisa.
Antes de saírem em passeata pela Cidade Universitária, os participantes fizeram silêncio – que, por algumas vezes, foi interrompido por salvas de palmas ou exclamações entusiasmadas – para ouvirem os discursos de mestres e representantes.
O primeiro deles foi o do Diretor do Hospital Universitário, professor Alexandre Cardoso, que enfatizou a herança histórica da situação vigente.
– Quase que sazonalmente, a cada 4 ou 5 anos, os hospitais universitários vivem uma crise, com essa busca por financiamento para que possam se salvar da situação em que se encontram. Em 2004 houve exatamente isso: o sistema universitário brasileiro tinha uma dívida consolidada de 350 milhões de reais, com uma renúncia de financiamento, a qual vigorava desde os anos 90, do Ministério da Educação e Cultura (MEC), que deixou a responsabilidade sob o Ministério da Saúde – relatou.
Com relação ao contrato daquele ano, os representantes do CA garantem que o dinheiro (R$ 4 milhões e meio de reais) é utilizado para custear gastos que deveriam ser bancados pelo Estado, como alimentação, remédios e exames, além de serviços terceirizados – com cerca de um terço do total – que se traduzem em cooperativas de médicos, técnicos de enfermagem, limpeza e segurança. Contudo, eles alegam ainda que o valor do financiamento não cobre mais as necessidades, por causa do aumento do custo dos tratamentos.
O diretor do Hospital aponta também um não cumprimento de contrato. “Havia sido estabelecido que os hospitais que apresentassem ensino e pesquisa seriam contractualizados com inovação tecnológica, aquisição de novos equipamentos e realização da manutenção da aparelhagem em uso”. E ainda alerta: “nós prestamos conta daquilo que fazemos, ao contrário de outros hospitais ligados diretamente ao Ministério da Saúde, que recebem esses recursos sem o compromisso que nós temos”.
Após Alexandre Cardoso, Márcia Rosa de Araújo, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ), exaltou os ânimos dos estudantes, com uma fala entusiasmada. “É com grande orgulho que vejo estudantes, professores, pacientes, médicos e colegas de outras profissões que compõem o corpo clínico deste hospital. Mas isso ainda é muito pouco. Precisamos nos unir para tirarmos os hospitais universitários dessa crise crônica e absurda, porque além de tratarmos de vidas, também formamos profissionais nesses hospitais”. E continuou: “a gente tem que protestar hoje, enquanto é possível falar sem tomar cacetada. Porque, assim como a verba não está garantida, a democracia também não está. Ela só se dá quando a gente está aqui para exigir ocumprimento de direitos e os deveres das autoridades”.
Ainda discursaram o presidente da Associação dos Residentes do HUCFF e representantes do DCE, CA, UNE e do CA da Escola de Enfermagem Anna Nery. Em seguida, os participantes da manifestação fizeram passeata pelo campus da Ilha do Fundão e realizaram uma parada na passarela da Linha Vermelha com o intuito de gerar visibilidade para o ato.
– Essa é a principal idéia que a gente precisa deixar bem claro. A gente não vai aceitar funcionar mais ou menos, porque aqui são feitos transplantes, se trabalha com coisas sérias. E se faltar remédio, o paciente morre – disse João Assy, estudante de medicina do 7º período e representante do CA da Faculdade de Medicina.
Reitoria discute saídas para a crise do HU
Na quinta-feira, 15 de maio, o diretor do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ), Alexandre Pinto Cardoso, participou de uma reunião com diversos representantes da universidade, para discutir a crise que emergiu no último dia 13, quando foram suspensas as cirurgias de alta complexidade no hospital.
Estiveram presentes o Reitor, Aloísio Teixeira; o Decano do Centro de Ciências da Saúde, Almir Fraga Valladares; o pró-reitor de Pessoal e Serviços Gerais, Luiz Afonso; o diretor da Faculdade de Medicina, Antônio Ledo; e o Presidente da Fundação Universitária José Bonifácio, Raymundo de Oliveira.
No dia 14, o reitor Aloísio Teixeira já havia se reunido com o Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, para discutir a crise no HUCFF.
De acordo com Alexandre Cardoso, o Ministério deseja transformar o Hospital Universitário em Unidade Orçamentária, o que facilitará o repasse de recursos.
– Essa incerteza em relação aos pagamentos gerou uma fuga dos nossos fornecedores. No entanto, posso garantir que eles vão continuar recebendo normalmente, sem problemas. Já estamos entrando em um acordo e acredito que esse problema deva se resolver nos próximos dias -, afirma Alexandre.
Outra mudança é o reajuste no repasse de verbas do Sistema Único de Saúde (SUS) para o Hospital. O Plano Operativo Anual (POA) fixou um reajuste de 15% para procedimentos de alta complexidade, como cirurgias no coração. “Isso significa não um repasse maior de verbas, mas a possibilidade que temos de expandir nosso trabalho”, esclarece o diretor. Com este aumento, os procedimentos de alta complexidade passam a ter um teto de R$ 2,33 milhões. O POA não fixou um reajuste para procedimentos de média complexidade.
Os problemas estruturais do Hospital Universitário, que culminaram com a crise atual, não vêm de hoje. O hospital é vinculado ao Ministério da Educação e Saúde, e presta serviços ao SUS. No entanto, as verbas destinadas ao hospital estão defasadas, e as dívidas acumuladas chegam à marca dos 10 milhões de reais.
– Esta não é uma crise apenas do HUCFF, mas de todos os Hospitais Universitários Federais no Brasil. Semana que vem haverá uma reunião com os reitores de todas as universidades públicas federais no país, especialmente aquelas que possuem hospitais, para discutir a crise. Esperamos encontrar uma solução em breve – explica Alexandre.