Aos poucos, a epidemia de dengue que assolou o Rio de Janeiro nesse verão está se esgotando. Até agora, são mais de 110 mil casos, com 95 mortes no estado. Apesar de, segundo especialistas, esse número ainda tender a aumentar, é consenso de que o perigo está quase no fim.
Por isso, o Olhar Vital encerra a série de reportagens sobre dengue com uma análise geral da epidemia. Para o professor Roberto Medronho, chefe do departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da UFRJ, é muito importante lembrar que a epidemia está perdendo força, mas ainda não acabou.
— No momento, a epidemia está em descenso, entretanto o número de casos ainda não é pequeno. Há um grande número de casos ocorrendo ainda — diz o especialista, que acredita que a situação vai se prolongar até meados de junho, quando os casos realmente diminuirão.
Segundo ele, baixar a guarda agora pode ser um erro grave. “Negligenciar a epidemia retarda o diagnóstico, pois o médico pode pensar em outra causa que não seja a dengue, permitindo a evolução para uma forma mais grave”, alerta o médico. “As pessoas acreditam que a epidemia acaba quando ela sai da mídia, mas os casos continuam ocorrendo”, acrescenta.
De acordo com o professor, a diminuição do número de casos vai ocorrer. As causas para essa queda, no entanto, não são as ações de combate ao vetor, o mosquito Aedes aegypti. Segundo Medronho, um dos principais fatores responsáveis pelo fim da epidemia é o esgotamento de suscetíveis. “Isso significa que as pessoas que moram nas áreas de risco, na sua maioria já adoeceram. Portanto, o ritmo de crescimento da epidemia tende a cair porque não há mais quem adoecer”, explica o epidemiologista.
O segundo fator importante para a redução no número de casos é a mudança do clima. “Estamos em um processo de mudanças climáticas, com redução de temperatura e, conseqüentemente, dificulta a proliferação dos mosquitos”, esclarece Roberto Medronho.
O papel da população
Segundo o professor, a população vem sendo tratada como vilã da epidemia no Rio de Janeiro, por alguns governantes. Para ele, é preciso ressaltar que o combate ao mosquito é responsabilidade do poder público, em todas as esferas (municipal, estadual e federal). De acordo com ele, cabe ao governo municipal, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), as ações diretas de combate ao vetor. Enquanto isso, o governo estadual fiscaliza e articula essas ações entre os municípios e o federal financia a maior parte delas.
— A despeito das ações diretas serem responsabilidade dos municípios, há uma participação importante do estado e do governo federal nessa ação — observa Medronho. “Contudo, do ponto de vista político, esses três entes nunca se entenderam bem e isso nem sempre ocorre por questões partidárias. Às vezes, fatores como vaidade e disputa de poder interferem na comunicação”, critica o professor.
Para ele, o primeiro dever da população é cobrar do poder público as ações necessárias. “Essa é uma ação de cidadania, porque nós pagamos impostos e eles precisam retornar com serviços de boa qualidade”, afirma Medronho, ressaltando que também é fundamental que cada um faça o seu dever de casa, literalmente. Ele lista algumas das ações que a população fluminense já decorou: tapar bem as caixas d’água e evitar pratinhos de vasos de plantas são algumas delas.
— Entretanto, se não tivermos em cada casa e a Prefeitura não cuidar da praça, do cemitério, enfim, das construções públicas, o mosquito que foi erradicado em casa retorna — afirma o infectologista, lembrando que os principais criadouros encontram-se em construções desse tipo, de responsabilidade da Prefeitura.
Participação da Universidade
Durante essa epidemia, diversas forças se juntaram para combater a doença. A UFRJ foi uma delas. Para o professor, a participação da Universidade começou com a crítica ao sistema ineficiente de combate ao vetor. Medronho acredita que os resultados dessa discussão podem ser benéficos.
— Dessa vez houve eco por parte da Secretaria Estadual de Saúde, tanto é que será criada uma comissão de especialistas, que não são da Secretaria, da qual a UFRJ é uma das principais protagonistas, para discutir e repensar estratégias inovadoras e mais eficientes no combate ao vetor — informa o professor. As ações diretas da UFRJ também incluem a participação de alunos da Faculdade de Medicina no combate à dengue, além da contribuição de alunos e professores da Escola de Enfermagem Anna Nery.
O que esperar de 2009
Roberto Medronho lembra que as epidemias de dengue sempre ocorreram por conta do esgotamento de suscetíveis e não por ações de combate ao vetor. Segundo o especialista, se apenas os sorotipos 2 e 3 continuarem circulando no próximo verão, o estado não será vítima da epidemia.
Entretanto, se o sorotipo 4 chegar, há muito com o que se preocupar. Segundo o professor, é apenas uma questão de tempo até o sorotipo (que já foi identificado em Roraima em 1982, mas não se disseminou) chegar ao Rio de Janeiro. Se as ações de combate ao vetor não forem satisfatórias quando o dengue 4 for introduzido no estado, a população fluminense estará fadada à epidemia novamente, de acordo com o médico. “Espero que isso não ocorra no próximo verão, porque temos muito que fazer para reduzir dramaticamente a densidade vetorial de Aedes aegypti no estado do Rio de Janeiro e no Brasil”, conclui Roberto Medronho.