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Taxonomistas do Instituto de Biologia ajudam a garantir biodiversidade

Taxonomia é a área da Biologia que estuda as bases teóricas da classificação incluindo seus princípios, procedimentos e regras, tendo, entre outros atributos o de nomear organismos vivos. Atualmente, professores e alunos admitem que esta área da ciência esteja perdendo adeptos. Apesar disso, sua importância nas atividades científicas não diminui. É o caso de sua aplicação na preservação ambiental. Erros taxonômicos podem levar a graves conseqüências e desperdiçar todo um trabalho de proteção de uma espécie que se encontre em perigo.

É o que afirma um estudo realizado no Laboratório de Mastozoologia do Instituto de Biologia da UFRJ, que foi tema do trabalho de conclusão de curso de Zoologia do mestrando William Correa Tavares, orientado por Leila Maria Pessoa, professora do Instituto. Juntos, aluno e professora fizeram uma análise de um caso uma espécie de roedor, em perigo de extinção.

O cenário é a Mata Atlântica. O mestrando lembra que esse bioma apresenta uma biodiversidade extraordinária, cada vez mais fragilizada. “A Mata Atlântica é um dos ambientes mais diversificados em espécies, tanto animais quanto vegetais. Contudo, hoje, só restam 7% de toda sua extensão original”, explica William. Segundo ele, o bioma é considerado um hot spot mundial para conservação. O termo é usado para definir áreas de maior relevância para conservação.

Essa classificação ocorre por conta do grande número de espécies endêmicas (aquelas que ocorrem apenas numa região do planeta). Em relação aos mamíferos, área de maior interesse de mastozoólogos, esse número é ainda mais significativo. “Existe uma grande diversidade de mamíferos na Mata Atlântica e muitas espécies endêmicas com áreas muito restritas, diferente de espécies endêmicas do cerrado, por exemplo, que ocorrem em uma área maior”, informa o zoólogo. Nesse caso, a conservação do ambiente é fundamental para a preservação da espécie. “Para espécies endêmicas, se o bioma acabar, a espécie também acaba”, acrescenta a professora.

O caso Trinomys eliasi

Segundo Tavares, no estado do Rio de Janeiro existem três espécies endêmicas de mamíferos. A mais conhecida é o mico leão dourado, cujas pprincipais populações naturais hoje se encontram nos municípios de Casimiro de Abreu e Silva Jardim, anteriormente apresentava uma distribuição mais ampla, mas está restrito a uma área menor, atualmente. A outra espécie é um marsupial, identificado pela primeira vez em Teresópolis, chamada Monodelphis theresa e considerada vulnerável. O grau “vulnerável” é o primeiro de uma série de classificações para espécies ameaçadas. Ele é seguido de “em perigo de extinção” e “criticamente em perigo de extinção”.

A terceira espécie, objeto de estudo dos pesquisadores, é o Trinomys eliasi. Trata-se de um rato-de-espinho, um roedor mais relacionado ao grupo das capivaras do que ao dos ratos comensais com o homem (ratazana), conforme explica William. O rato-de-espinho, descrito pela professora Leila Maria em 1993, foi identificado pela primeira vez na restinga de Maricá, no Rio de Janeiro. A partir da análise do mapa da região, o mestrando aponta como o rato está sendo cercado: de um lado, a cidade cresce cada vez mais; do outro, resta ao Trinomys eliasi apenas o mar.

Apesar de ser uma Área de Proteção Ambiental (APA), o local está cada vez mais ameaçado pela urbanização. Como esse tipo de unidade de preservação é mais flexível do que um parque nacional ou uma reserva há uma proposta de construção de um resort onde hoje é restinga.

Com base nisso, em 2000, uma equipe de mastozoólogos da UERJ classificou essa espécie como “em perigo de extinção”. Contudo, essa classificação mudou quando alguns pesquisadores observaram ratos-de-espinho muito parecidos na reserva biológica, Poço das Antas, em Silva Jardim, e concluíram que se tratava da mesma espécie que ocorre na restinga de Maricá. Além desse caso, foi capturado um animal no Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, no norte fluminense. O caso de Jurubatiba é desconsiderado pela pesquisa, já que não possui um espécime testemunho, ou seja, um indivíduo que prove a existência de uma espécie.

Com a possibilidade de o Trinomys eliasi ocorrer fora da restinga de Maricá, concluiu-se que os esforços para preservar a área não deveriam ser tão intensos, já que o animal ocorria em outra área. Com isso, o grau de ameaça do roedor caiu de “em perigo” para “vulnerável”. A proposta do trabalho de William Tavares é avaliar a variação entre as formas de ratos-de-espinho de Maricá e Poço das Antas. Deste modo, o aluno pôde demonstrar que o rato encontrado em Poço das Antas não é idêntico ao de Maricá. Como parte de sua monografia de conclusão de curso, o zoólogo valeu-se de espécimes de ratos-de-espinho depositados na coleção de mamíferos do Museu Nacional da UFRJ e foi a Maricá e a Poço das Antas para comparar as populações desta duas áreas.

Para um olhar desavisado, trata-se do mesmo animal, mas para os especialistas, diversas diferenças podem ser encontradas entre as duas populações. “Começamos a notar diferenças. Por exemplo, se observarmos com calma, as medidas de certas estruturas do crânio são diferentes. Além disso, a cor do pêlo também é bem diferente”, lista William Tavares.

Segundo os especialistas, para determinados grupos de roedores, a coloração dos pêlos é bem mais significativa do que para um cão, por exemplo, em que a mesma espécie apresenta variações significativas de indivíduo para indivíduo na cor do pêlo.

— O conjunto de características do animal encontrado em Maricá é bastante diferente das características do rato de Poço das Antas. Isso faz a gente pensar que, provavelmente, eles não fazem parte da mesma espécie — considera Leila Maria. “Além disso, o fato de eles ocorrerem em ambientes completamente distintos (restinga e floresta de baixada) também pode ser considerado bastante relevante para essa diferenciação”, complementa William.

Objetivos da pesquisa

Apesar de não trabalharem efetivamente na preservação dos animais, a idéia dos pesquisadores é promover a revisão dos conceitos de preservação para esses grupos de roedores, a partir das evidências coletadas. “Um importante papel dos taxonomistas, sejam zoólogos ou botânicos, embora não apareça na TV, é apontar o caminho por onde os trabalhos de conservação devem seguir”, finaliza William Tavares.