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Terapia celular pode encurtar filas para transplantes

 Na última sexta-feira, 7 de março, professores e estudantes da área de saúde se reuniram no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da UFRJ. O motivo era a mesa redonda “Experiência do HUCFF em Terapia Celular”, parte integrante do I Congresso Multidisciplinar do Hospital, que esse ano comemora 30 anos de existência.

A mesa foi composta por quatro professores da Faculdade de Medicina, que apresentaram suas experiências com pesquisas com células tronco aplicadas em diferentes situações. No caso de Guilherme Ferreira, médico do Serviço de Hepatologia do HUCFF, o que está no centro das atenções é o fígado.

— Há pelo menos quatro anos, quando os primeiros resultados com coração surgiram, a equipe da professora Regina Goldenberg e do professor Antonio Carlos Campos convidaram o serviço de hepatologia a fazer nosso protocolo em pacientes e nos ocorreu que tratar de cirrose seria o mais indicado —, iniciou Guilherme.

O médico ressaltou a importância de buscar uma terapia alternativa ao transplante, dentro do contexto crítico das longas filas de transplantes. “A motivação para se pesquisar a terapia celular em cirróticos é a realidade nacional, até mais trágica no Rio de Janeiro, das longas filas de transplantes, com alta mortalidade durante a espera”, afirmou.

O especialista observou, ainda, que a demanda por uma nova terapia é mundial, e não um problema isolado do Brasil. “Para se ter uma idéia, as estatísticas americanas revelam que apenas 40% dos pacientes inscritos em filas de transplantes vão receber, de fato, o tratamento”. A expectativa é de que a técnica possa, pelo menos, prolongar a vida do paciente que está aguardando o transplante, enquanto a terapia celular não se consolida como uma solução definitiva.

A cirrose
Com a figura do fígado detalhada ao fundo, o especialista esclarece como funciona o processo da cirrose. “Quando acontece um insulto inflamatório persistente, a chamada célula estrelada, presente no fígado, muda de fenótipo, como se fosse o ‘médico e o monstro’. Ela se torna um ‘monstro’, cria braços e se transforma em miofibroblastos”, explica Guilherme. Segundo ele, o resultado desse processo é a contração de outra estrutura, o sinusóides. Essa contração modifica sua porosidade. “A capacidade de troca de sangue é diminuída e, por fim, ocorre o depósito de colágeno no chamado espaço de Disse, ou seja, células do fígado. Isso é a cirrose”, esclarece Guilherme

A regeneração do fígado já é conhecida há muito tempo, constando inclusive na mitologia grega, em que o fígado de Prometeu era capaz de se regenerar diariamente, após ser agredido por um abutre, como castigo. A intenção da terapia, segundo o especialista, é de reverter o quadro e restabelecer a capacidade de regeneração do fígado.

As primeiras evidências surgiram em 1999, em um estudo em que submeteram um rato fêmea com lesão hepática a um transplante de medula óssea cujo doador era um rato macho. “No momento em que esse fígado foi agredido, houve uma regeneração com as células doadas. As células que continham XY (masculinas), mostrando então que havia esse caminho a partir da medula para a regeneração hepática”, esclarece Guilherme Ferreira. O fato é que, em 2000, trabalhos demonstraram que o mesmo poderia ocorrer em humanos, o que estimulou mais pesquisas nessa área a partir dessa época.

O mecanismo
O professor classificou como “romântica” a idéia que se costumava ter de que as células tronco iriam simplesmente, ao serem inoculadas, se “transformar” em determinado tecido. Na verdade, o processo não é bem assim. “O que acontece, na prática, de acordo com a teoria aceita atualmente, é que aquelas células chegam ao tecido lesado, no caso o fígado e migram para o espaço de Disse. Depois, recebem, da própria inflamação, uma sinalização de que algo não está bem. A partir disso, elas respondem ao estímulo, conseguindo restabelecer uma capacidade regenerativa no tecido, até então, doente”, elucida o doutor.

Segundo ele, depois de um tempo, parece que essas células vão embora, ou pelo menos o efeito é perdido. Esse é o mecanismo que se acredita atualmente que justifica a melhora do tecido — até então não tinha mais condições de se regenerar.

A pesquisa
A experiência em humanos começou a ser realizado a partir de 2005. O acompanhamento, nesse caso, é fundamental. “O protocolo exige acompanhamento de um ano. Esses pacientes recebem células tronco, fazem tomografia e ultrasonografia previamente, para excluir possibilidades de tumores”, informou o professor. Segundo ele, o eventual aparecimento de tumores é um dos principais medos de quem trabalha com esse tipo de terapia. Após os doze meses de acompanhamento, os pacientes novamente são submetidos aos exames, pelo mesmo motivo.

Atualmente, conforme relatou o professor, há algumas perguntas a serem respondidas. Por exemplo, se seria necessário fazer uma terapia em ciclos, semelhante a uma quimioterapia, para manter o efeito do tratamento. Essa e outras questões vão ser detalhadas no novo protocolo, que se inicia em breve, com colaboração de um grupo escocês de medicina regenerativa, referência em regeneração hepática na Europa.

A mesa redonda contou ainda com a presença de outros professores. Lea Miriam da Fonseca, Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Radiologia da Faculdade de Medicina da UFRJ, Marcelo Morales, coordenador científico do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF-UFRJ) e Rosalia Mendez-Otero, vice-diretora do IBCCF.