Alimento ingerido diariamente por grande parte da população brasileira, o leite foi descoberto como a nova vítima da falsificação no Brasil. Toneladas do produto foram adulteradas visando aumentar a produção e prolongar a conservação. Para isso eram adicionados produtos impróprios para o consumo humano tais como a soda cáustica (hidróxido de sódio) e a água oxigenada (peróxido de hidrogênio).
Preocupado com os danos que isso pode acarretar à saúde e em busca de maiores detalhes, o Olhar Vital entrevistou Ana Lúcia do Amaral Vendramini, coordenadora e professora do curso de Engenharia de Alimentos da Escola Politécnica da UFRJ.
A primeira questão destacada por ela foi o fato de a mídia não ter, em momento algum, divulgado as concentrações em que os compostos foram encontrados no leite, dado fundamental para a análise das conseqüências disso para a saúde. Afinal, mesmo a legislação preconizando a ausência dessas substâncias, é apenas em concentrações mais elevadas que elas poderão representar riscos mais sérios. “Nenhum dos dois em uma concentração muito baixa acarretaria problemas a um organismo são, mas se eles aumentarem a concentração o leite passa a ser um perigo”, disse.
A professora afirmou que o hidróxido de sódio, ou soda cáustica, é de fato altamente tóxico para o nosso organismo, mas apenas em grandes concentrações, em concentrações menores ele será facilmente neutralizado pelos ácidos do nosso estômago. Segundo ela o que vem sendo alegado pelas cooperativas é, que a adição se dá em níveis baixos, apenas o suficiente para regular o pH do leite, reduzido pela fermentação que ele sofre pela ação de suas bactérias naturais.
Ana Lúcia apontou, porém, para a existência de outras substâncias orgânicas menos abrasivas empregadas para esse processo de neutralização, tal como o carbonato e o bicarbonato de sódio mas que, por terem uma velocidade de ação menor e um custo mais elevado, são descartadas.
O peróxido de hidrogênio (água oxigenada), substância altamente oxidante, tem sua utilização atribuída à ação de bactericida que desempenha. A professora destacou que essa propriedade oxidante do composto pode representar em longo prazo um problema sério para a saúde se, do mesmo modo, tiver altas concentrações. Afinal, acabará atacado as células e provocando a formação de radicais livres no organismo, tendendo, assim, a acelerar o processo de envelhecimento, morte celular, desenvolvimento de câncer e de uma série de doenças degenerativas. “No nosso organismo, nós já temos a síntese de peróxido, mas em concentrações baixas. Se ingerirmos o peróxido de hidrogênio estaremos acelerando esse processo de ataque celular”, ressaltou.
Ana Lúcia Vendramini destacou que em organismos mais sensíveis a pequenas alterações como o de pessoas imunologicamente debilitadas e no caso das crianças e idosos, alguns danos leves como vômitos, mal-estar, e pequenas diarréias podem ser acarretados, mesmo os compostos estando em baixas concentrações. Enfim, a reação é individual, suas conseqüências variam de uma pessoa para a outra.
Essas alterações sensorialmente imperceptíveis, mesmo não trazendo graves conseqüências para a saúde, são características da fraude. “Existem os padrões, os limites máximos e mínimos de cada um dos itens do leite. Quando se começa a colocar peróxido de hidrogênio e soda cáustica você está mudando totalmente o perfil e as características físico-químicas do produto, o que é característico de fraude”, disse ela.
Para Ana Lúcia Vendramini, o mais importante em toda essa polêmica de fraudes em leite é impulsionar o Ministério da Agricultura na busca de mais informações e de outros tipos de fraude, lembrando da importância do aumento da fiscalização: “Se esse alarde está aumentando a fiscalização eu acho bastante positivo e acredito que eles vão encontrar outros tipos de fraude, até mais graves.”