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Memória

70 anos de Serviço Social e a política pública na América Latina

 A Escola de Serviço Social da UFRJ – ESS iniciou nessa terça-feira, 6 de novembro, a comemoração de seus 70 anos de história e luta, com o apoio do Centro de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ – CFCH, do Fórum de Ciência e Cultura , da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ e patrocínio do Banco do Brasil e da Fundação Universitária José Bonifácio – FUJB.

Uma senhora respeitável
No painel de abertura estavam presentes Laura Tavares, pró-reitora de extensão; Aloísio Teixeira, reitor da UFRJ; Maria Magdala de Araújo, diretora da ESS, Ivy Carvalho, representante do corpo discente e Yolanda Guerra, professora da ESS que falaram sobre o passado do Serviço Social da UFRJ e comentaram as projeções e desejos de fuuras realizações.

Segundo Aloísio Teixeira, a ESS foi pioneira na implantação do Serviço Social no Brasil já que foi criada em 1937, quando UFRJ adotava o nome de Universidade do Brasil, reafirmando o caráter nacional do centro do sistema de ensino superior. O reitor aproveitou as sete décadas de ESS no Brasil para ratificar a importância social da discussão do Reuni e do PRE, “que ainda não terminou”, lembrou.

Maria Magdala se declarou imensamente honrada em presidir a escola nos seus 70 anos. Ela afirmou que a polêmica faz parte do âmbito acadêmico, logo garantiu que é com extremo carinho e respeito que recebe os membros da reitoria, apesar dos debates. A diretora lembrou que a ESS é referência latino-americana em produção de pesquisa e conhecimento: “O que esperar senão a defesa da universidade pública e do ensino de qualidade?”, indagou Magdala em resposta à provocação do reitor.

A palestrante afirmou que faz parte da atuação do Serviço Social propor novas políticas sociais, como a ampliação de vagas no curso noturno: “Lembrando que o ideal é que bolsas sejam oferecidas para que o aluno não tenha que trabalhar e possa se matricular nos cursos matutinos”, reivindicou Maria Magdala.

Lutas, questões e desafios para o Serviço Social
Silene Moraes Freire, coordenadora de estudos da América Latina e do Caribe da UERJ; José Maria Gómez, Giuseppe Cocco e José Paulo Netto, professores da ESS; Osvaldo Coggiola, professor do Departamento de História da USP; e Myriam Lins de Barros, coordenadora da mesa, debateram a primeira palestra sobre os rumos das questões sociais no novo cenário “socialista” latino-americano.

Primeiramente, Osvaldo Coggiola fez questão de ressaltar que o Brasil faz parte da América Latina, por mais que os brasileiros pensem o contrário. Portanto, segundo ele, as análises que são feitas sobre o Cone-Sul têm caráter superficial e muito aquém do ideal, visto que os problemas cogitados são muito mais profundos do que a maneira que são apresentados.

Coggiola afirmou que até hoje é comum que se encare o esquerdismo como uma doença juvenil, que quando se estende até a fase adulta é vista como uma “maluquice”. Contudo, a ascensão meteórica dos governos, de acordo com o especialista, “ditos de esquerda” na América Latina está mudando o cenário sociopolítico e estabelecendo conceitos equivocados para movimentos de esquerda: “Nestor e Cristina Kirchner, por exemplo, têm apenas um passado marcado pela esquerda peronista, porém não são esquerdistas de forma alguma”, observou o palestrante se referindo ao ex e a atual presidente da Argentina, respectivamente.

Segundo o professor é necessário que se pergunte o que motivou o surgimento simultâneo dos governos de esquerda na América Latina e o que os torna inevitáveis, tendo em vista que se trata de um quadro promissor, que se constitui no cenário da crise. Para o especialista, o governo Lula era a única saída para a política brasileira no momento, tendo em vista a possibilidade real da eleição de Roseana Sarney para a presidência, o que Coggiola chamou de “Collor dois”: “O governo de Roseana Sarney, não atenderia aos interesses dos demais políticos, banqueiros e empresários, principalmente os da Rede Globo, que foi pivô na retirada da candidata do páreo”, afirmou o palestrante. O pano de fundo da ascensão de esquerda, de acordo com Coggiola, é a crise do plano de estabilização monetária baseado na âncora cambial.

Silene Moraes Freire acredita que o debate sobre América Latina é pouco abordado no Brasil, porque o sentimento de latinidade ainda é muito recente para o brasileiro. Para ela, o continente latino-americano deve ser de preocupação internacional, visto que servira de laboratório do modelo neoliberal. A pesquisadora afirmou que, em contrapartida, nenhum outro lugar se comparou à América Latina em termos de degeneração do neoliberalismo.

De acordo com Silene Freire, o movimento sindical não morreu, mas se distanciou do caráter socialista. A palestrante afirmou que atualmente a maioria das greves latino-americanas são realizadas pelas universidades públicas, porém grande parte delas luta pela manutenção da situação no governo, por medo de piorar suas condições com novas propostas: “A visão de mobilização social está deturpada hoje em dia”, lamentou Silene Moraes. Ela declarou que há uma campanha imposta de precarização do assistencialismo, somada a uma idéia degenerada de empreendedorismo que somente afunda mais o indivíduo na própria miséria.

O marxismo ainda vive
Para José Paulo Netto, afirmar que não existe uma unidade latino-americana ou constatar que na existência da unidade, esta se dê de modo identitário, são dois equívocos que devem ser superados. Segundo o professor, a América Latina é única em seu combate ao imperialismo norte-americano, mas diversas nas formas de realizar tal repúdio. Assim como é completamente errôneo, ao ver do palestrante, que a questão social seja analisada de maneira homogênea e ao mesmo tempo se classifique a América Latina como um local de políticas frouxas.

O combate da miséria por políticas assistencialistas, de acordo com o palestrante, não oferecem uma saída efetiva das condições precárias, e sim uma entrada à cronicalização da filantropia: “O programas compensatórios só fazem aumentar a naturalização da pobreza”, comentou José Paulo. O problema, segundo ele, não é a distribuição de renda, mas a concentração de propriedade, que lhe é anterior.

Já Giuseppe Cocco afirmou que desde a década de 1970 não assistiu mais a grandes lutas sindicais, nem em países subdesenvolvidos, quanto mais em desenvolvidos. Para ele, o que se apresenta são novos sujeitos sociais, que claramente são múltiplos, fragmentados, portadores de conteúdos que ligam as questões entre emancipação e libertação: “Temos uma outra dinâmica dentro da produção do sentido da verdade”, observou Cocco.

Na América Latina, de acordo com o palestrante, encontram-se governos claramente neoliberais e os que não são neoliberais, mas que ao mesmo tempo dão continuidade à política imperialista dos Estados Unidos. Da mesma maneira que na União Soviética, segundo Cocco, o maior erro foi tentar manter juntos dois conceitos quase antagônicos: a democracia e a organização da produção disciplinar taylorista. O professor afirmou que é comum encontrar essa contradição dentro do movimento operário e do socialista: “Conseguiu-se construir uma relação entre Deus e o diabo, que se tornou absoluta e transcendente”, declarou Giuseppe Cocco.

Quanto à questão da pobreza, o especialista comentou que a exclusão está se tornando um elemento estrutural, do qual não se enxerga mais uma saída. O capitalismo atualmente, de acordo com Cocco, não encara o pobre como sujeito improdutivo, visto que a economia liberal e a prática de controle social do liberalismo não atuam de forma semelhante. Hoje o Estado, liberal ou não, atua de forma a instigar a mobilização do pobre, porém, segundo o palestrante, não significa que o indivíduo sai da miséria para o emprego assalariado, e consiste sim em mobilização do pobre enquanto tal: “O próprio indivíduo deve assumir a responsabilidade por si e iniciar um trabalho informal ou qualquer outra forma precária de adquirir renda”, lamentou Cocco.

José Maria Gómez não perdeu tempo em mostrar o caderno de economia do jornal Estadão publicado no último domingo, 4 de novembro, com a manchete: “Viva à revolução!” — frase mencionada por Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, em comemoração à uma palpável, segundo ele, “revolução capitalista”. Gómez ressaltou que essa é a visão otimista de um modelo econômico que penetra todas as economias de maneira quase arbitrária; e que certamente está determinando todas as mudanças de perspectiva na América Latina.

O palestrante não tem dúvida de que o continente latino-americano é único e diverso: “Como o Serviço Social pode se portar diante desse quadro de questões?”, indagou José Maria. Para ele, o ponto fundamental está em como a pobreza se tornou o ponto central da política social. Essa nova abordagem, de acordo com o professor, propõe uma metamorfose do emprego assalariado em uma série de programas assistencialistas que estão sendo não só oferecidos pelo governo, como pela própria política neoliberal.