Categorias
Memória

Os rumos da Psicologia e a questão do trabalho na saúde no I Encontro da ABEP-RJ

 O Núcleo Rio de Janeiro da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia – ABEP-RJ realizou nessa quarta-feira, 24 de outubro, o I Encontro Regional da ABEP-RJ; com apoio do Instituto de Psicologia da UFRJ – IP, do Laboratório de Currículo e Ensino do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde – NUTES, do Laboratório de Planejamento, Gestão e Ensino em Saúde do Instituto de Psiquiatria da UFRJ – IPUB, do Conselho Regional da Psicologia do Rio de Janeiro – CRP-RJ e do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ – CFCH.

Para onde vai a Psicologia?
Compunham o painel de abertura Eliana Vianna, suplente da ABEP-RJ; Marcos Jardim, diretor do IP; e Marcelo Corrêa e Castro, decano do CFCH; que falaram sobre a importância de uma associação como a ABEP e seu papel na defesa das melhorias das condições e currículos de ensino de Psicologia em todo o Brasil.

Segundo Eliana Vianna, a ABEP encarou uma grande dificuldade para aglutinar os 365 cursos em Psicologia existentes no país devido ao fato da associação ainda não ter sido efetivada como instituição verdadeira: “Ainda somos um núcleo virtual, sem escritório, sem equipamento, sem telefone”, lamentou a palestrante.

Para a suplente, a proposta do encontro é colocar em pauta o destino da Psicologia brasileira e levantar uma série de questões, como: “Deve haver uma Psicologia latino-americana? Ensino à distância é válido para a cadeira de saúde mental? Qual o papel da psicologia: científico ou social?”.

Eliana ressaltou que a ABEP não possui ação fiscalizadora ou normativa, apenas assume o papel de interlocutora entre os cursos nacionais e promove atuação democrática quanto a decisões que afetam diretamente o ensino de Psicologia no Brasil: “O encontro visa o debate e o futuro consenso entre as propostas de melhoria nas graduação e pós-graduação das faculdades de psicologia brasileiras”, completou Eliana Vianna.

Marcelo Corrêa e Castro, também doutor em Educação, afirmou que há uma forte diminuição no papel do educador como formador de indivíduos. Segundo o decano, o ensino deve progredir junto à Psicologia objetivando a troca de experiências em ambas as áreas; e que, necessariamente, deve-se colocar a maior quantidade possível de materiais de Psicologia à disposição dos educadores, para aprimoramento do ensino no Brasil.

De acordo com Marcos Jardim, a Psicologia é uma ciência relativamente recente, portanto se preocupa em encontrar sua própria vertente metodológica e científica. Entretanto, por ser uma especialidade que afeta várias áreas das relações humanas, o diretor atentou para o fenômeno da disseminação da Psicologia por diversas cadeiras, ciências e linhas de pesquisa. Logo, segundo o palestrante, o currículo do curso de Psicologia deve ser flexibilizado o quanto antes.

Outra preocupação de Jardim é a não aplicação do currículo mínimo para lidar com atuação prática da Psicologia nas faculdades: “A situação em laboratório não se comparar à efetivação da experiência real”, observou. Marcos declarou que é imprescindível o resgate dos cursos de licenciatura e bacharelado em Psicologia nas universidades em, termos qualitativos: “Certas especialidades novas da pós-graduação são totalmente dissociadas do curso de formação básica, o que, certamente, reduz a sinergia da área”, lamentou o diretor.

Para Marcos Jardim, é imperativo que, atualmente, se domine a tecnologia. Ele deixa claro que se deve combater a aversão dos docentes de Psicologia a novidades, como o Ensino à Distância, por exemplo. Porém, o diretor afirma que não significa perda total de contato com o ambiente de formação da sala de aula. No entanto, centrar algumas etapas do ensino em Psicologia no próprio aluno são extrema necessidade: “O graduando deve desenvolver um ponto de vista crítico individual e através da tecnologia ele pode ter acesso à todo o material necessário para auto-afirmação profissional”, declarou Jardim.

Reflexões sobre o trabalho na saúde
Emerson Elias Merhy, doutor em Saúde Coletiva e atual coordenador de pesquisa da Clínica Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ, proferiu o debate “Enfrentando o modelo hegemônico (des)cuidador na saúde”, com o objetivo de questionar a atual visão do profissional de saúde sobre seus papéis científico e social.

Hoje em dia, de acordo com Merhy, o ensino se apresenta desvinculado da prática, o que não é uma constatação agradável: “Como médico sanitarista, creio que toda a lógica e apreensão de conhecimento estão vinculadas à experiência vivenciada efetivamente”, declarou. Para o doutor, afirmar a possibilidade do ensino formal desligado do mundo real de trabalho é uma situação dramática.

Todo o processo de formação do profissional da área de saúde, segundo Elias, é recente — a profissionalização médica como a conhecemos hoje se deu a partir do século XIX, por exemplo. O coordenador afirmou que onde existia duas vertentes conhecidas como área de saúde, hoje há 14 cadeiras como Odontologia, Psicologia, Educação Física, entre outras. A questão a ser colocada, de acordo com Emerson, é “o que distingue o trabalho no campo da saúde das demais espécies de labuta?”

Merhy observou em seus estudos que as teorias de trabalho da saúde eram muito dependentes da definição do labor genérico em relação ao processo produtivo industrial: “É hegemônica a idéia de trabalho fabril. Todos sabemos como uma indústria funciona”, afirmou o sanitarista. Segundo Elias, a tendência negativa é que se naturaliza o pensamento de que a riqueza maior de um país provém da base industrial, e não do setor serviços da economia, apesar deste ser mais numeroso. Da mesma forma, a idéia de tecnologia, preconceituosamente, corresponde a equipamentos palpáveis, primeiramente.

O palestrante ratificou com veemência que as tecnologias não são necessariamente materialidades, e sim conceitos. Principalmente no campo do cuidado, Emerson afirma que são imperativas as chamadas tecnologias do saber, as quais são imateriais e correspondem à capacidade intelectual do profissional de saúde: “A tecnologia do saber é a alma que habita a tecnologia palpável. Todos são providos de saber, independentemente da existência formação formal”, declarou.     

Assim como a indústria, o campo da saúde passa inúmeras reestruturações produtivas, que consiste em atualizar e/ou adaptar constantemente as especialidades da área às demandas exigidas pelos usuários do serviço e pela otimização do modelo de gestão. Para o doutor, podem surgir duas vias: os domínios de saber são disseminados e novas profissões podem surgir ou parte do saber é concedida às outras áreas para aprimoramento das operações de saber.

Segundo Merhy, a questão da perda de humanismo na área do cuidado deve ser rapidamente solucionada devido à aproximação do lançamento de novos equipamentos no mercado que irão invadir os campos de saber visando o domínio tecnológico. Para o médico, a tecnologia material vai, assim, legitimar a própria atuação no âmbito da saúde. Isso acontece, de acordo com o Elias, porque há um incomensurável interesse da indústria de equipamentos médico-hospitalares, que chega a movimentar mais o mercado mundial do que a indústria bélica, atualmente.

Para Emerson, o maior impasse é a permanência das profissões de saúde no modelo ultrapassado do século XIX: “Os profissionais de saúde passaram de cuidadores a burocratas; perderam seu sentido de atuação social e estão caminhando para as desnecessidades”, lamentou.

O sanitarista se mostrou preocupado com a ausência desse debate em pautas de discussão de grandes agendas efetivas, e completou: “Enquanto a medicina introduziu a maluquice do ato médico, as outras 13 abordagens da saúde surgiram com a maluquice do ato profissional”. Emerson Merhy tem esperança de que essa palestra preocupe os profissionais do cuidado, agora que é sabido que se caminha para o que ele chamou “marcha da insensatez”.