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Especialistas discutem a humanização no momento do parto

 O Núcleo de Pesquisa de Enfermagem em Saúde da Mulher da Escola de Enfermagem Anna Nery da UFRJ – NUPESM/EEAN; com apoio da Pró-reitoria de Planejamento e Desenvolvimento – PR-3, do movimento Amigas do Parto, da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras do Rio de Janeiro – ABENFO-RJ, do Banco do Brasil e do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ; realizou nessa sexta-feira a abertura do I Ciclo de Palestras Gestar, Parir e Nascer Naturalmente Humanizados.
A mesa de abertura foi composta por Ivis Emilia, professora e doutora em enfermagem pela EEAN/UFRJ; por Ruth Floresta, enfermeira e sub-gerente do Programa Saúde da Mulher da Secretaria Municipal de Saúde da Cidade do Rio de Janeiro; Valdecyr Herdy, enfermeiro e professor da Escola de Enfermagem Aurora Afonso Costa da Universidade Federal Fluminense e atual presidente da ABENFO-RJ; e Ana Beatriz Azevedo, professora e doutora em enfermagem pela EEAN/UFRJ; para discutir o papel do profissional de enfermagem no momento do parto, no cotidiano da parturiente e nas políticas públicas de melhorias na qualidade de atendimento e na implantação do parto humanizado.
A proposta é mundial
Para Ivis Emilia, o papel da universidade é fundamental para que haja um intercâmbio de conhecimentos produzidos em pesquisas de extensão. A doutora falou sobre as recomendações da Organização Mundial de Saúde – OMS para a humanização da assistência à gestação, parto e nascimento. Segundo ela, o momento do parto propriamente dito é repleto de uma carga emocional desmesurada: “Não há como não se envolver”, disse a enfermeira. “A proposta é que essa emoção que acomete a todos na sala de parto seja resgatada”, ratifica Ivis.

Segundo a especialista, a Constituição de 1988 prevê que saúde não é somente fato de não apresentar uma doença, mas possui relação direta com a boa qualidade de vida, além de esta estar baseada no modelo preventivo. Também estão incluídos nos termos desse contrato social o atendimento integral à gestante, isto é, apurar não só os dados biológicos da paciente, mas juntamente com seu histórico familiar e contexto social no qual se insere; e a autonomia do casal em decidir quantos, quando e onde terão seus filhos.


A professora ressaltou que a humanização não pretende propor uma forma “correta” de tratamento da paciente e do bebê, e sim o desenvolvimento de uma maternidade segura e prazerosa: “Existem estudos que comprovam uma mudança significativa na vida da mãe, na volta para casa e na criação do bebê, após a realização de um parto humanizado”, declarou Emilia.

De acordo com a enfermeira, a OMS recomenda que não mais do que 15% dos partos realizados sejam cesarianas. Porém, no Brasil, essa taxa ocorre por volta de 45%, ou seja, as cesarianas já ocupam o âmbito do procedimento cirúrgico desnecessário. “A medicalização do nascimento retirou o direito da mulher de decidir sobre seu próprio corpo e impossibilitou-a de decidir pelo tipo de parto que mais lhe apetece”, lamentou Ivis. A professora deixou claro que não condena a cesariana, visto que muitas vezes esta pode ser fundamental em partos de alto-risco, porém o número de cesarianas extrapolou todas as expectativas. Emilia crê inclusive que, não só o parto normal deve ser humanizado, como a cesariana também.
A OMS, segundo a especialista, também encoraja condutas favoráveis, como por exemplo, a manutenção de um acompanhante para a gestante do momento da internação até o nascimento. Em contrapartida, a organização condena métodos arcaicos e constrangedores, como a lavagem intestinal para pacientes de parto normal.
Para Ivis Emilia, não menos importante e que deve ser cada vez mais praticada é uma atenção especial dada à sabedoria popular: “Fizemos o acompanhamento de um programa que ocorreu no Maranhão, o ‘Trabalhando com Parteiras Tradicionais’, que visava a troca de experiências entre a rica cultura das parteiras e as humildes explanações de profissionais de enfermagem obstétrica”, relatou a doutora.
A gestão municipal também está engajada
A enfermeira Ruth Floresta comentou o Programa Saúde da Mulher, implantado pela Secretaria de Saúde da Prefeitura do Rio de Janeiro, e suas efetivações legais; além de comparar algumas estatísticas relevantes na área. A sub-gerente considerou que essa palestra possuia um caráter de prestação de contas à população no âmbito da questão das gestantes e mulheres em idade fértil do Rio de Janeiro, as quais significam que 70% do número de usuários do Sistema Único de Saúde – SUS.
A auto-regulação da fecundidade feminina aumentou significativamente nos últimos anos, de acordo com Ruth. A taxa de fecundidade brasileira está cotada por volta de 2,1 filhos/mulher, correspondente ao valor básico de reposição do contingente populacional. “Através desses números que invalidamos a justificativa do senso comum de que a intensificação da violência é conseqüência da taxa de natalidade descontrolada”, observou Floresta.
A enfermeira também condenou a escassez de assistência municipal à gestantes na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro: “Deve-se estimular mais a construção de Casas de Parto especializadas em humanização do nascimento”, declarou a enviada da prefeitura.
Segundo Ruth Floresta, houve melhoras na legislação do SUS que englobam a questão das mulheres em idade fértil e parturientes como a qualificação do atendimento às mesmas; a instalação de cartórios dentro de unidades do sistema, para facilitar o registro dos indivíduos nascidos; a oficialização do “acompanhante” como instrumento de auxílio imprescindível à gestante; a ampliação do tempo de visita para dois horários diários; a introdução de dieta líquida no cardápio dos hospitais; e o estímulo a práticas de relaxamento da parturiente.
Alguns valores estatísticos também foram conquistados pela gestão municipal, como a diminuição de 25% da percentagem de mães-adolescentes no Rio de Janeiro e a redução do número de óbitos maternos de para 37% — porém Ruth ainda considera essa taxa elevada, visto que corresponde a 41 mortes/100 mil parturientes. Em contrapartida o número de atendimentos de emergência por abortamento nas unidades equivale a 50% do total de assistência à gestante: “Essa é uma estatística muito vergonhosa para a administração do sistema de saúde pública”, lamentou Floresta. Porém, a boa notícia é que o SUS, no dia 15 de outubro, inaugura a Central de Transportes de Gestantes Intra-Hospitalar, que disponibilizará duas ambulâncias exclusivas para trasladação de parturientes em situação de escassez de leitos nas unidades.
É preciso disseminar a humanização
Valdecyr Herdy explanou sobre a criação dos Centros de Partos Normais no Rio de Janeiro e as questões que envolvem o parto humanizado. De acordo com o professor, a formalização das Casas de Parto foi um ganho imensurável para a população e para a comunidade de enfermagem obstétrica: “Antes da oficialização as equipes que se dedicavam ao funcionamento dessas unidades sentiam-se como se estivessem vivendo na clandestinidade”, afirmou o enfermeiro. Outra vitória, segundo ele, foi a aprovação da licença maternidade com duração de um ano para as funcionárias vinculadas à prefeitura.
Para o presidente da ABENFO-RJ, deve-se investir em uma campanha geral pelo parto esclarecido, que consiste em expor à futura mamãe todas as possibilidades de parto existentes, para que ela tenha autonomia sobre a decisão que mais lhe aprouver. Herdy garante que, atualmente, as próprias mulheres têm reconhecido sua situação de parturientes e, conseqüentemente, têm exigido um parto diferente do tradicionalmente imposto.
O professor considera altamente relevante que se questione a resistência do restante do Brasil à construção de unidades humanização do nascimento. Valdecyr ressaltou também a restrição de cartórios quanto ao registro de bebês nascidos em casa: “A mãe tem o direto de dar a luz a seu filho no próprio lar”, protestou o enfermeiro. Herdy considera de suma importância que todas essas questões sejam apuradas e discutidas não só na universidade, como também nos hospitais, nos postos de saúde, nas associações de moradores, entre outros.
O compromisso da equipe é fundamental
A doutora Ana Beatriz Azevedo falou sobre a importância da conscientização dos profissionais de enfermagem quanto à humanização da assistência. Segundo a enfermeira, é comum encontrar medo, agressividade e depressão no comportamento das parturientes, e grande parte das reações podem ser evitadas com um contato agradável, saudável e carinhoso entre a futura mamãe e os profissionais envolvidos com o parto.
A humanização propõe, não mais uma experiência de hospitalização, de risco para a mãe e o bebê, mas sim “o envolvimento integral do profissional de saúde com o cotidiano e as preferências da paciente”, como declarou Ana Beatriz. De acordo com ela o movimento de incorporação dos direitos da gestante às diretrizes institucionais deve ser iniciado pelos próprios atuantes da área de saúde.
Para a doutora, o enfermeiro tem papel essencial e deve assumir o compromisso de constante atualização de seus conhecimentos e de novas formas de abordagem e tratamento das gestantes, como em casos complexos de gravidez de alto-risco, por exemplo. “A ética profissional está incluída como requerimento básico, juntamente com a visão cultural e holística do enfermeiro sobre a paciente”, lembrou Beatriz. No entanto, sobretudo, a especialista declarou que o profissional de saúde deve entender que cuidar não é sinônimo de controlar: “A privacidade e a segurança da mulher e do feto devem ser preservadas”.
De acordo com Ana Beatriz, é imprescindível que se crie um vínculo com a parturiente a fim de encorajá-la. A intimidade deve ser estimulada através da conversa, da troca de experiências, do toque, do afeto, da credibilidade, entre outros: “Humanização não é o que se sabe, e sim como se usa o que se sabe”, observou a professora.
Ana Beatriz também lembrou que o I Encontro de Enfermagem Ginecológica, idealizado em parceira com a ABENFO-RJ, acontecerá em novembro na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no intuito de amplificar a discussão sobre a mulher brasileira.