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Mar adentro: a eutanásia e a finitude

 A Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ESS/UFRJ) promove o Ciclo de Cinema 4×4, organizado por Sára Nigri e Rosemere Maia, professoras da Pós-graduação em Cidadania, Cultura e Serviço Social. A iniciativa consiste na exibição de quatro filmes em quatro quartas-feiras, seguida de debates dos temas polêmicos abordados nas tramas. Esta semana, o longa-metragem selecionado foi “Mar Adentro”, produção espanhola com a direção de Alejandro Amenábar, para a discussão da prática de eutanásia e da finitude humana. Sérgio Gomes, mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IMS/UERJ), foi o debatedor convidado.

“Mar adentro” conta a trajetória de Ramon Sampedro — interpretado pelo ator Javier Bardem —, um homem tetraplégico que luta pelo direito de morrer com dignidade. Com o lema de que viver não deve ser uma obrigação, Ramon, com o auxílio de uma militante do Grupo de Apoio a Eutanásia e advogados, procura permissão jurídica para dar fim à própria vida, mas isto lhe é negado. A vontade do protagonista se torna pública, é divulgada pela mídia, e inicia na Espanha uma mobilização social para discutir a validez de seu apelo.

Após a exibição do filme, Sérgio assume o debate com o argumento de que antes de falar da morte, é preciso pensar o que é a vida. Seja em uma concepção biológica ou religiosa, a sociedade sofre na prisão do receio de perder um ente querido. Por isso, intensificou-se um medo da morte, um fator que angustia por ser incompreensível e por tirar dos homens o poder de serem mestres de si. “Enfrentar a morte é enfrentar o temor de deixar de existir, mas o efeito da morte não é para quem perde a vida e sim para aqueles que conviviam com aquele que não mais vive”, declara o debatedor.

Sérgio declara que pesquisas realizadas em diversas regiões do mundo revelam que quanto maior o nível de escolaridade da população, maior é a aceitação da prática da eutanásia. No Brasil, a resistência mais ampla ocorre no Norte e no Nordeste. Seguindo neste raciocínio, o especialista afirma que uma política da morte faz-se tão necessária quanto uma política da vida. Independente de paradigmas religiosos, quem convive em hospitais acaba admitindo que é imprescindível legislar pelo direito de quem sofre com uma “vida nula”, ou seja, pacientes com morte cerebral ou aqueles que preferem morrer por não considerarem digno o modo de viver imposto por uma doença.

— O problema maior que a questão da eutanásia enfrenta é o valor de sacro santidade que foi dado à vida por algumas organizações religiosas. São concepções que distanciam a morte de sua característica de ser natural. Morrer faz parte da nossa existência desde que nascemos. É a única certeza que os homens têm. Heidegger defende que morrer é libertar-se um pouco mais. Porém, predomina o pensamento de que a morte é o ponto final. Colocando-se no lugar de alguém que não aceita limitações de uma doença, Heidegger faz todo o sentido — explica Sérgio.

Durante o debate foi ainda explicitado um problema prático: a própria sociedade impõe obstáculos para pessoas que têm deficiências. As ruas, os meios de transportes, as instalações em áreas públicas de circulação, as instituições de ensino e trabalho, praticamente nada disso está adequado a viabilizar uma vida menos problemática e dificultada para quem sofre limitações físicas e/ou mentais.