Nesta quarta-feira, 26 de setembro, o filme escolhido para exibição e debate no projeto Ciclo de Cinema 4×4, organizado pela Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ESS/UFRJ), foi “Anjos do Sol”, com o tema “Exploração sexual de crianças de adolescentes”. Para a discussão, foram convidadas Rosana Morgado, professora e pesquisadora da Infância, violência doméstica e gênero, Joana Garcia, professora e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Associações Solidariedades e Política, e Miriam Guindani, professora e coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Ações para Cidadania.
“Anjos do Sol” é um filme produzido e dirigido por Rudi Langemann, resultado de uma pesquisa de nove anos a respeito da prostituição infantil no Brasil. Tem como protagonista Maria, interpretada por Fernanda Carvalho, uma menina de 12 anos que é vendida pelo pai a um traficante de criança e passa, a partir daí, pelo controle de cafetões e cafetinas. No decorrer da história, é revelado um cotidiano de exploração sexual, violência e negação de direitos, com o qual Maria vai aprendendo a lidar com sofrimento. Ela tenta fugir, mas percebe que escapar da dura realidade em que foi aprisionada pode nunca acontecer de fato.
Terminada a exibição do filme, Rosana comenta que “Anjos do Sol” soube transparecer na trama que não somente regiões do interior do país — onde supostamente vive-se de maneira não civilizada em meio a uma população de bárbaros — aderem à prática da exploração sexual infantil. “Quando a personagem Maria fugiu para o Rio de Janeiro, pensava que ia encontrar a salvação, mas logo descobre que também a Cidade Maravilhosa guarda consigo requintes de crueldade, com seus moradores tipicamente urbanos e turistas do Primeiro Mundo”.
A trama revela bem o longo caminho percorrido pelas crianças desde sua venda. “É o intermediário que vai até a família e compra a criança, passa para uma cafetina, que a leiloa para um coronel. Ele, que usa sua nova mercadoria e repassa para um bordel e assim por diante”, detalha a pesquisadora. Outra realidade retratada foi o silêncio da força policial e da sociedade diante do problema, além da força de influência exercida pelos “padrinhos” e “madrinhas” que adquirem as crianças para a exploração. “Eles se caracterizam como alguém que dá abrigo, alimentos, proteção e vestimentas. Em troca, só pedem o serviço delas pelo ‘entretenimento’. Fazem crer que apesar de proverem uma vida ruim para suas jovens prostitutas, tudo seria pior se elas estivessem simplesmente largadas na rua”, declara Rosana.
Um erro, porém, aponta Rosana, foi o longa-metragem ter se concentrado na dimensão econômica do problema. Mostrou apenas as histórias de meninas pobres que foram arrastadas para o universo da prostituição, quando, segundo ela, não é difícil constatar que a “profissão do sexo” abrange também pessoas de classes média e alta.
Joana pensou a situação social em que as meninas no filme são colocadas. “É um ambiente que passa por uma confiança restrita a pequenas relações, de lealdade frágil entre elas mesmas, já que cada uma encara a exploração de uma maneira particular. Há realmente quem considere a prostituição melhor do que a miséria em subempregos e coisas do gênero. A sociabilidade é abalada, obscurecida pelo cotidiano cruel. E também se cria uma situação de ausência total nessas meninas de um projeto de vida. Os planos são imediatos, o horizonte limita-se ao dia que estão vivendo e ponto”, explica a professora.
Segundo ela, um aspecto que gera revolta no filme é a indiferença de quem testemunha a exploração sexual infantil. Porém, “é preciso levar em consideração que maus tratos às mulheres em alguns grupos sociais, principalmente no passado, eram encarados como natural. As próprias mulheres interiorizavam essa condição de ter seu lugar social imposto pelo homem, assim como os homens também assimilaram junto com a construção cultural em que estão inseridos que o tratamento ríspido com o sexo feminino é comum”, além disso, prossegue Joana, a noção de que a prática sexual com crianças e adolescentes deve ser repreendida é ainda muito recente na história.
Miriam fechou o debate destacando de “Anjos do Sol” a caracterização da total falta de políticas públicas, de atuação do Estado, a ausência de possibilidades que permitam às crianças romper com o ciclo de explorações que sofrem. Outra observação foi no que diz respeito aos personagens atuantes no universo da prostituição. “Geralmente a sociedade reprime os exploradores, vitimiza as crianças prostituídas, mas esquece que neste caminho existem também os consumidores, sem os quais nada disso seria possível. É preciso pensar a respeito daqueles que fazem uso deste serviço, que aceitam e participam da exploração sexual de menores de idade por livre e espontânea vontade”, argumenta a pesquisadora.