Foi exibido ontem, 29 de Agosto, no auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CFCH/UFRJ), o filme “O ano em que meus pais saíram de casa”, de Cao Hamburguer. A iniciativa compõe o curso de extensão “Direitos Humanos em tela”, criado pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH).
O filme tem como pano de fundo o ano de 1970, em que o Brasil passava por um dos momentos mais críticos da Ditadura Militar. Mauro, o personagem protagonista da trama, é ainda criança quando seus pais, perseguidos políticos, deixam-no em um bairro de São Paulo para morar temporariamente com o avô. A partir daí, o garoto passa um ano precisando lidar com os imprevistos que surgem, descobrindo novas amizades e, aos poucos, percebe a tensão política que domina o país.
Terminada a exibição da película, foram chamados para compor a mesa os professores Igor Grabois, da Universidade Zumbi dos Palmares/SP, e Marcelo Henrique da Costa, da Universidade Veiga de Almeida/RJ. Igor, filho de desaparecido político, elogiou o filme por resgatar a memória de um período crítico do país através do olhar de uma criança. Elegeu como um dos aspectos mais interessantes da trama o fato de a maior parte dos personagens centrais não ser militante e, ainda assim, o desenrolar da história conseguir revelar a tensão que envolve a censura e a repressão sofridas pelos brasileiros. Além disso, Igor falou para a platéia um breve histórico dos anos em que o Brasil foi governado pela Ditadura Militar.
— A promulgação do Ato Institucional nº5 (AI-5) marcou o momento mais terrorista desde o golpe dos militares em 1964. Ali acabou a farsa, e ninguém mais no governo fazia questão de mascarar as perseguições, as torturas, a violência contra os opositores. O poder dos militares significou, entre outras coisas, arrocho salarial para as classes mais baixas, concentração de renda e a criação de grandes empresas estatais. Foi a época do Milagre Econômico, na qual o poder aquisitivo da classe média aumentou e a ditadura conquistou mais alguns simpatizantes na população, enquanto prejudicava a maior parte dos brasileiros — ilustra o professor.
Marcelo, filho de ex-preso político, concluindo doutorado em Psicologia Social, está montando sua tese com base no conceito de memória social, coletando e estudando relatos de adultos que, quando crianças, sofreram o exílio político. É uma experiência pela qual ele também passou em sua infância, com a mãe procurada pela polícia e o pai preso e torturado por lutar contra a Ditadura.
— Exílio é viver a vida entre parênteses. Passar dias, meses, anos em um lugar, sabendo que deveria estar em outro. O grupo que esteve comigo no exílio tentava se prender na esperança de que seria por pouco tempo, mas a Ditadura foi piorando, e nós precisamos admitir que a previsão de voltar estava cada vez mais distante. É um período complicado, por isso, com minha tese de doutorado, estou querendo dar uma chance para ex-exilados poderem falar do que viveram ali, dos sentimentos, as frustrações, as dificuldades e até mesmo as alegrias da época — argumenta Marcelo.
Ele, que atuou com Igor no Movimento Estudantil, conclui seu pensamento falando do esforço que a Ditadura Militar fez pelo esquecimento.
— Não bastava capturar, prender, torturar e matar. Era preciso esconder o corpo, garantir que ele jamais fosse encontrado por seus familiares, impedir que a família pudesse enterrar aquele que lutou contra a opressão, negar um túmulo, um lugar para visitar e deixar flores. Assim, queriam impedir a memória dos que morreram por serem oposição do governo. A minha tarefa, o propósito de estarmos aqui, por exemplo, é falar dos assassinados e ex-presos políticos. Promover lembranças de quem não pode ser esquecido — enfatiza o ex-exilado.