Embora poucas pessoas saibam, as algas estão presentes em diversos momentos do nosso dia-a-dia. Além de shampoos e cosméticos que utilizam géis extraídos de algas como princípio ativo, outros elementos inusitados, como o creme dental, a geléia do café da manhã, a cerveja do happy hour do fim de tarde e a cápsula do antibiótico ingerido nos momentos de doença, também contêm sub-produtos originados de macroalgas marinhas – as algas pluricelulares. Menos conhecido ainda é o potencial de prevenção e cura de doenças que alguns fármacos extraídos das algas podem apresentar. Esse é o foco da pesquisa da professora Yocie Yoneshigue Valentin, do Departamento de Botânica do Instituto de Biologia da UFRJ.
Segundo Yocie, há aproximadamente 30 anos a comunidade científica começou a considerar a possibilidade de usar algas marinhas como fontes de fármacos, uma vez que das plantas terrestres já era extraída uma grande quantidade de metabólitos capazes de tratar doenças. “As algas apresentam uma diversidade em espécies bastante alta. Além disso, o Brasil é privilegiado por ser provedor de uma gigantesca diversidade biológica, com grande e evidente importância do contexto marinho”, explica Yocie, justificando a existência da pesquisa no país.
Yocie é coordenadora da RedeAlgas, um projeto multidisciplinar existente desde 2005, implantado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, que engloba diversas entidades de pesquisa, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade Federal Fluminense (UFF), a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), além das universidades federais do Rio Grande do Norte, do Paraná e do Ceará. A RedeAlgas é dividida em vertentes temáticas e de aplicação biotecnológica das substâncias retiradas das algas marinhas. Em 2006, o projeto recebeu fomento de outro ministério, o da Saúde: depois que a RedeAlgas ganhou o edital aberto pelo CNPq, foram investidos ainda mais recursos financeiros. Esse novo projeto é coordenado pelo professor Paulo Mourão, também da UFRJ.
Desde 1996, a universidade iniciou pesquisas acerca de algas que pudessem apresentar potencial antiviral. Naquela época, a equipe de Botânica, em parceria com o Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes (IMPPG) e o Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais (NPPN), detectou na alga Laminaria abyssalis uma substância capaz de combater o vírus herpes simplex. Por ser uma espécie endêmica, que só existe no Brasil, e que habita águas frias e profundas, a coleta dessas macroalgas se mostrava difícil. Yocie Yoneshigue tentou cultivá-las reproduzindo as condições fisiológicas de luz e temperatura de seu hábitat natural, porém as quedas de energia que ocorriam no laboratório da UFRJ fizeram com que todas as plantas fossem perdidas.
Em virtude dessas complicações, Yocie decidiu restringir seu objeto de estudo e abordar somente algas de superfície, coletadas na plataforma continental do litoral brasileiro, mas que também demonstrassem capacidade de agir contra doenças. O resultado foi surpreendente: a alga Hypnea musciformis, uma das escolhidas pela professora, apresentou um aumento de 50% em seu potencial antiviral quando cultivada. Yocie acredita que no cultivo a alga é estressada e, por isso, produz mais metabólicos.
A partir daí, a busca por novas possibilidades de fármacos é constante. O papel do Departamento de Botânica, segundo Yocie, é dar sustentabilidade à extração das algas: seu papel é coletar uma pequena amostra de determinadas espécies de macroalgas e cultivá-las em laboratório:
– Minha parte consiste em fazer crescer a biomassa dessas algas para que as pessoas continuem podendo utilizá-las nas pesquisas. Abasteço os pesquisadores de toda a RedeAlgas, cultivando as espécies no subsolo do Centro de Ciências da Saúde, na Ilha do Fundão. Além de uma complicada logística de cultivo, ainda tenho que trazer água de praias oceânicas, como Itaipu e Itacoatiara, em Niterói, para utilizar na reprodução do laboratório, pois a água da Baía de Guanabara é muito suja. Tento, a todo momento, otimizar o cultivo, para que o índice de reprodução seja significativo – Yocie revela, elucidando os empecilhos que regem sua pesquisa.
Uma das recentes descobertas dos profissionais que integram a RedeAlgas é um gel intravaginal microbicida, cuja substância ativa, o triol, é extraída da macroalga Dictyota menstrualis – planta também cultivada pela professora Yocie na UFRJ. O gel está sendo desenvolvido especialmente para mulheres com AIDS e, segundo Yocie, se volta para a África, continente no qual a epidemia já está consolidada e onde os homens se recusam, por muitas vezes, a usar camisinha.
Além do vírus HIV e do vírus causador da herpes, macroalgas marinhas também originam produtos que atuam no tratamento e na profilaxia de problemas de coagulação. Com potencial anticoagulante, existe a Spatoglossum schröederi. Já a Botryocladia occidentalis se revela como um poderoso antitrombótico.
Por enquanto, a UFRJ, através da professora Yocie Yoneshigue, se situa em uma fase precoce da pesquisa, até mesmo incipiente, como ela mesma define. Na universidade é dada mais ênfase à reprodução das macroalgas e à possível identificação das moléculas que possam originar medicamentos – trabalho realizado pelo NPPN. As expectativas da equipe, contudo, são animadoras:
– O tema é relativamente novo. O próprio Ministério da Saúde desconhecia essa linha de pesquisa, mas mesmo assim abriu um edital. Isso mostra que o governo está apostando nesses resultados. Acredito que, daqui a alguns anos, os medicamentos provenientes de algas venham a ter alguma conseqüência louvável junto à sociedade e que esses organismos passem a ser encarados como fontes de novas moléculas – espera Yocie.
Para a pesquisadora, o pioneirismo do estudo proporciona à UFRJ uma liderança no âmbito da pesquisa científica nacional e a sensação de recompensa pelo sucesso do trabalho é gratificante para todos os pesquisadores da instituição envolvidos. “É sensacional orientar um trabalho de ponta como esse”, orgulha-se Yocie, sem esquecer de ressaltar a importância da rede de cooperação. “Temos muitos parceiros dos quais nosso avanço depende integralmente”.