Na última sexta-feira, 10 de agosto, o Instituto de Psiquiatria da UFRJ – IPUB realizou mais uma sessão do Centro de Estudos, que abordou o tema “Os transtornos alimentares nas classificações psiquiátricas: perspectivas futuras”, tendo como palestrante o professor José Carlos Appolinario.
O objetivo central do debate era refletir sobre as novas sugestões de classificação dos transtornos alimentares e transmitir um pouco da experiência de Appolinario, que possui uma visão crítica do diagnóstico atual e das perspectivas futuras nessa área.
O primeiro passo para se discutir uma psicopatologia desse gênero é conhecer sua definição que, segundo José Carlos, é um pouco confusa à medida que a terminologia “Transtornos Alimentares” (TAs) induz a imaginar que se trata de um conjunto de alterações relacionadas à alimentação: “Cada vez mais os estudos nessa área comprovam que as alterações relacionadas aos TAs ultrapassam o aspecto exclusivo da alimentação e envolvem uma certa perturbação que impacta em um sofrimento psicológico – incluindo a alteração da percepção da forma e do peso corporal”, explicou o professor.
Baseando-se pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM, Appolinario classificou as duas grandes síndromes clínicas dos TAs: Anorexia Nervosa (AN) e Bulimia Nervosa (BN); e destacou uma terceira classificação chamada Transtornos Alimentares Sem Outras Especificações (TASOEs) – tudo o que não é anorexia nem bulimia se encaixa nesse terceiro diagnóstico: “Nos TASOEs temos uma alteração bastante discutida que é o Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP). Alguns acreditam que parte dos TASOEs se enquadram no diagnóstico do TCAP. Considero uma tradução muito mal feita do inglês Binge Eat Disorder , que se caracteriza mais por um descontrole alimentar do que por uma compulsão, isto é, não deveria haver a palavra compulsão no TCAP”, esclareceu o palestrante.
Anorexia Nervosa
José Carlos explica que os sintomas básicos da AN são a busca do emagrecimento contínuo sem muita explicação, medo mórbido de engordar – que contemporaneamente pode ser chamado de supervalorização da magreza – e alterações da função endócrina (amenorréia, desnutrição, funcionamento corporal, entre outros). No entanto, o professor fez questão de destacar a peculiaridade da AN: “A anorexia é a doença mental com maior índice de mortalidade. Ela persiste como uma doença grave, de curso crônico e com poucas intervenções eficazes; enquanto que a bulimia aparenta ter um curso mais favorável á intervenção medicamentosa”, revelou.
Segundo Appolinario, os critérios para o diagnóstico da AN (que se subdivide em restritiva e purgativa) exigem que o paciente tenha menos de 15% do peso ideal – o que diferencia o anoréxico de outros tipos de magreza extrema, como por uma condição clínica, por exemplo – que haja uma distorção da forma como o paciente realmente se encontra e ausência de pelo menos três menstruações, caracterizando a amenorréia – esse último tem se mostrado um dificultador do diagnóstico, já que alguns pacientes apresentam um quadro bastante avançado e grave, porém sem suspensão do ciclo menstrual. Além disso, o uso de pílula anticoncepcional também é mais um motivo para se excluir a amenorréia como critério.
Bulimia Nervosa
O professor definiu BN como uma série de episódios de compulsão alimentar, somado a um conjunto de manifestações muito perturbadoras, que tem características completamente diferentes dos subgrupos da anorexia. Mas José Carlos garantiu que há uma maneira infalível de definir a bulimia: “Essa síndrome tem como características essenciais o descontrole alimentar, seguido de métodos compensatórios, que podem variar desde vômitos auto-induzidos (que são os mais comuns), a dietas restritivas em excesso e jejuns auto-impostos”, disse.
Appolinario contou que somente havia AN até a década de 1970 e a BN era apenas representada dentro do quadro de anorexia, como possível variante da mesma. O diagnóstico isolado de BN surgiu na década de 1980, e os estudos eram muito mais focados na compulsão alimentar do que nos métodos compensatórios.
A BN, segundo o palestrante, também se divide em dois subtipos: o purgativo e o restritivo. O tipo purgativo concentra os métodos compensatórios basicamente em vômitos auto-induzidos, diuréticos e laxativos. O tipo restritivo cabe aos bulímicos que praticam jejuns auto-impostos e exercícios extenuantes, como formas de compensação. Para José Carlos o importante era diferenciar o diagnóstico: “Pessoas de subtipos diferentes, têm evoluções diferentes e complicações diferentes”, afirmou.
O professor também revelou algumas novas pesquisas na área: “Uma das possíveis características da BN é que, em muitos de seus casos, parece ser uma síndrome espelhada em caracteres culturais. Hoje já se comprovou que medicamentos tanto farmacológicos quanto fitoterápicos funcionam mais para BN do que para AN. Outros estudos indicam que o TCAP se diferencia da BN”, declarou.
Para o palestrante, as mudanças dos critérios diagnósticos no próximo DSM serão muito conservadoras. Talvez um sintoma ou outro sejam retirados, como a exclusão da amenorréia, por exemplo. Mas a certeza vai além do apreço pelo tradicionalismo: “Sem dúvida isso acontecerá, primeiramente porque se considera o impacto econômico da mudança (perda de pesquisas, reedição de livros), além de que a mudança radical só ocorre quando há base empírica inquestionável para tal alteração e que seja limitada a áreas que provoquem impacto clínico de diagnóstico e tratamento do paciente”, justificou.
Segundo José Carlos Appolinario, a comunidade psiquiátrica também tem a esperança de incluir a obesidade na área de saúde mental, já que esta causa uma alteração psicológica no paciente: “O maior problema é que o procedimento classificatório dos transtornos alimentares é exageradamente limitado, à medida que se tem uma infinita gama de subtipos e variantes para essas psicopatologias”, concluiu José Carlos.