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Desafios da Energia Nuclear

 Quando ouvimos a expressão “energia nuclear”, é comum manifestarmos um certo receio, pois geralmente a relacionamos com bombas atômicas, acidentes nucleares e contaminações radioativas. A fim de discutir essa fonte energética e suas implicações, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) recebeu ontem, dia 29, o Dr. Horst Monken Fernandes, staff da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA).

Ele ministrou uma palestra com o tema “The Nuclear Energy Renascence and the Challenges Radioactive Waste Safe Disposal” (A Renascença da Energia Nuclear e os Desafios do Descarte Seguro dos Rejeitos Radioativos). O evento, organizado pelo Programa de Engenharia Civil do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da UFRJ (PEC/Coppe), ocorreu no auditório do anexo ao prédio da Geotecnia, no Centro de Tecnologia.

A fonte nuclear de energia é assunto de divergências no mundo inteiro, o qual se divide entre países favoráveis e contra a sua adoção. “Na Alemanha, por exemplo, há uma decisão política de não desenvolver seu programa nuclear. Dessa forma, o governo passa a depender de fontes de energia da Rússia, o que não é bom para o país, ainda mais nesse momento que a Europa vive de retomada do crescimento”, afirmou Fernandes.

Há uma falta de mão-de-obra qualificada para trabalhar no setor nuclear, capaz de atender às necessidades de manter padrões internacionais de segurança. Como declarou Horst, “a tendência é a criação de um sistema internacional harmônico e unificado nos quesitos de segurança”.

Recentemente, no Brasil, discute-se o projeto de retomada da construção de Angra 3, em Angra dos Reis – RJ, assim como seu licenciamento ambiental. O início das operações da Usina está previsto para o ano de 2013, o que alimenta debates entre ambientalistas, cientistas e órgãos do governo. “É hora de se discutir uma flexibilização na área nuclear”, opinou o especialista da IAEA.

De acordo com ele, para que nosso país dê seqüência aos planos de uso da energia nuclear, duas medidas são fundamentais: a construção de um repositório nacional de rejeitos radioativos provenientes das fontes geradoras (mineradoras, reatores de usinas, centros de pesquisa); e a estruturação de um novo Fundo Nacional de Rejeitos Radioativos.

Além da formação de pessoal bem qualificado e da definição de uma política de gerenciamento do lixo radioativo, Fernandes acredita que é preciso coordenar os trabalhos e definir um plano estratégico para a energia nuclear no Brasil. Tal plano deve ser capaz de integrar os variados setores, incluindo a academia, os institutos de pesquisa, as empresas e o público em geral.

Acidentes e lixo nuclear

Traçando um rápido histórico da energia atômica, Horst lembrou que, nas décadas de 40 e 50, esta era uma opção militar, não comercial, em vários países envolvidos nos conflitos bélicos desse período, que construíram armamentos nucleares.

Apesar de ter ocorrido uma expansão do uso dessa fonte energética para geração de eletricidade na década de 70, o setor nuclear teve que conviver com o estigma das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, e voltou a decrescer em seguida.

Para piorar a imagem do setor, ainda ocorreram trágicos acidentes, como o da Usina de Chernobil (na Ucrânia, que integrava a antiga União Soviética), em 1986; e o de Goiânia, Goiás, um ano depois. Acontecimentos como estes mantêm vivo no imaginário da população mundial o medo relacionado à radioatividade.

Além dos acidentes, um outro impasse para a aceitação da energia nuclear é a questão do gerenciamento do lixo radioativo. “Há uma necessidade de monitoramento constante desses rejeitos, além de prover seu isolamento correto, de acordo com os níveis de atividade do mesmo”, explica o especialista.

Para ele, é possível conviver com determinado tipo de radiação sem que isso seja prejudicial à saúde – o que se comprova pelo fato de que nós somos radioativos por natureza: o potássio-40, presente em nosso organismo, por exemplo, é um elemento de núcleo instável.

“Se naturalmente estamos expostos à radiação sem que os efeitos tenham sido documentados, seria possível e razoável admitir que um pequeno aumento dessa exposição seria aceitável, sem causar efeitos prejudiciais à população. É possível justificar essa exposição quando os benefícios superam os riscos”, afirma o especialista da IAEA.

Poucos sabem, mas a quantidade de urânio presente nas cinzas do carvão queimado em usinas termelétricas, por exemplo, é tão grande quanto a quantidade desse elemento nos resíduos nucleares. Conforme aponta Fernandes, falta informação quanto a questões como essa por parte de quem se opõe à energia nuclear.

Potencial brasileiro

Segundo dados das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), nosso país possui a sexta maior reserva geológica de urânio do planeta, o que permite ao Brasil ser auto-suficiente em geração de energia nuclear e um possível exportador do minério que serve de combustível para as usinas.

Além dessa abundância de matéria prima, em especial no Brasil, uma outra vantagem da energia nuclear é sua contribuição para o desenvolvimento sustentável e meio ambiente, pois gera uma quantidade mínima de gases do efeito estufa, o que é favorável no combate ao aquecimento global.

Apesar de todo esse potencial, as propostas de fontes energéticas alternativas, segundo Fernandes, ignoram a nuclear. “Fala-se do uso de fontes renováveis, planos de eficiência energética, bioenergia, etanol, entre outras, mas a energia nuclear não é incluída na política energética do país. Existe, talvez, um problema de percepção”, afirmou o especialista.

A maior parte da energia elétrica produzida no Brasil é proveniente de usinas hidrelétricas. No entanto, as bacias hidrográficas brasileiras disponíveis para geração desse tipo de energia encontram-se na região Norte, e a distribuição dessa eletricidade para as demais regiões é deficiente. A criação de novos sistemas de transmissão pode gerar impactos ambientais consideráveis.

“Infelizmente, a energia nuclear possui um dos maiores custos de instalação. Do ponto de vista empresarial, esse é um dos fatores que mais depõe contra essa opção energética”, considerou Fernandes.